PÁGINAS

domingo, 12 de agosto de 2012

Supremos fotogramas

por Wálter Maierovitch (Carta Capital)

Foto: José Cruz/ABr

 

Na Idade Média, e segundo a crença, o juízo era de Deus quando houvesse uma denúncia grave contra o réu. Os mortais juízes não julgavam, apenas constavam o decidido supremamente. Para se ter ideia, preparava-se o réu para o julgamento com pernas e braços imobilizados. Pedras pesadas eram amarradas a seu corpo. Depois, o acusado era lançado num rio de águas agitadas e profundas. Aí chegava o momento do julgamento feito por Deus. Se o réu flutuasse, estava absolvido.

A humanização do Direito Penal começa em 1764 com o chamado Pequeno Grande Livro escrito pelo marquês de Beccaria e intitulado Dos Delitos e das Penas. Com a humanização, o processo criminal evoluiu ao incorporar, como sucedeu no Brasil, garantias constitucionais pétreas.
No apelidado mensalão, o ônus da prova compete à Procuradoria-Geral da República, representada por Roberto Gurgel, chefe do Ministério Público Federal. Embora a qualquer acusado não seja preciso produzir prova da sua inocência, os 38 réus preparam a contraprova em juízo.
Nas sustentações orais, todos os defensores constituídos bateram na mesma tecla: a peça acusatória não se sustentava em prova colhida sob o crivo do contraditório e não passava de ficção a afirmada compra de votos de parlamentares. E de não constar a individualização das condutas. De grafar condutas atípicas e de conter pedido de condenação baseado em responsabilidade objetiva (sem culpabilidade). Falou-se também em surpreendente alteração fática por ocasião da sustentação de Gurgel e voltada a tentar dar nova sustentação à acusação: a compra de votos teria ocorrido na PEC paralela da Previdência e na Lei de Falência e não nas demais mencionadas na denúncia. Fora isso, alguns réus, como Delúbio Soares e Marcos Valério, admitiram o apelidado “caixa 2”, crime eleitoral cuja pretensão punitiva foi fulminada pela prescrição.
Gurgel procurou defender a denúncia elaborada pelo seu antecessor, Antonio Fernando de Souza. Quanto a José Dirceu, socorreu-se da denominada “teoria do domínio dos fatos”. Ela aceita provas orais diante da dificuldade de incriminar o chefão de uma potente organização criminosa. Gurgel, num golpe forte, pediu a condenação dos réus, exceções a Luiz Gushiken e Antônio Lamas, com imediata expedição de mandados de prisão.
Após seis dias de sustentações orais em mais de 30 horas, existe a certeza de a sociedade civil ter sido assaltada pela dúvida, ou melhor, ela ainda não sabe se a razão está com Gurgel ou com os defensores. Essa dúvida dos cidadãos é justificável em razão de um processo reservado a poucos e que apenas agora permite o conhecimento das teses técnicas das defesas.
No momento, um grande e profundo fosso separa a acusação e a defesa, que insiste na falta de prova acusatória válida para condenar, aquela colhida judicial e contraditoriamente. Diante disso, veio à luz a validade, para condenar, de prova produzida por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
A boa doutrina ensina que o inquérito parlamentar é inquisitório e não contraditório. Serve para fins internos e as suas peças, havendo indícios de crime, são encaminhadas ao Ministério Público que pode arquivar, promover novas diligências ou ofertar uma ação penal. Mas, para gerar condenação criminal, precisa a prova da CPI ser confirmada pela colhida sob o crivo do contraditório. Com efeito e no caso do mensalão, as provas colhidas na CPI dos Correios só valem se confirmadas por elementos de prova produzidas judicialmente.
Para o advogado de Dirceu, não existe nenhuma prova judicial a lhe inculpar. Os três relatos que o deputado federal Osmar Serraglio tanto fala de nada valem se não confirmados em juízo. Por outro lado, a falta de prova mínima sobre a autoria e o nexo causal impedem a aplicação da supracitada “teoria do domínio dos fatos”.
Erra quem pensa que tudo se encerra com o julgamento da ação penal 470. No caso de condenação de réus, poderá haver novo julgamento. Para que este ocorra, a condenação não poderá ser por unanimidade. O regimento interno do Supremo Tribunal Federal é bastante claro no caso de ação penal e condenação com 4 votos absolutórios. Portanto, bastam 4 votos divergentes para tudo recomeçar. A propósito: é muito claro o artigo 333 do regimento interno, que estabelece o recurso chamado embargos infringentes.
Como Gurgel abdicou de arguir a suspeição do ministro Dias Toffoli, poderá chorar o leite derramado se o placar terminar 7 votos condenatórios contra 4 absolutórios.

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