Entrevista realizada por Paulo Henrique Amorim em 2007, na comemoração dos 100 anos de Niemeyer
Oscar Niemeyer concedeu uma entrevista sobre seu centenário, em seu apartamento, em Copacabana, no Posto 6, a Paulo Henrique Amorim, exibida na Recordnews e, em parte, no Domingo Espetacular. Niemeyer falou de Prestes, de Guevara, de Lula.
Niemeyer falou de Luiz Carlos Prestes, o líder comunista, de quem foi amigo pessoal e a quem protegeu para refundar o Partido Comunista. Quando Paulo Henrique Amorim perguntou o que ele faria se Che Guevara entrasse pelo apartamento adentro e lhe chamasse para participar de uma revolução comunista, Niemeyer respondeu que não tinha mais idade para isso, mas que ajudaria Guevara no que fosse possível, porque o considera um grande homem.
Niemeyer elogiou também o Presidente Lula: porque é um líder operário, que trabalha para ajudar o povo. Niemeyer acha que, apesar de tudo, o Brasil está no caminho certo, a economia cresce, a situação do povo melhora e a renda se distribui. Niemeyer elogiou a posição de Lula e de Chávez porque contribuem para afirmar o papel da América Latina diante dos Estados Unidos.
Niemeyer também diz que uma vez, em Moscou, os arquitetos soviéticos lhe perguntaram o que achava da arquitetura soviética. Ele disse que tinha muitas afinidades com eles, mas que a arquitetura não era boa, porque as colunas eram muito próximas umas das outras, não havia espaços.
Niemeyer também contou que, uma vez, o Partido Comunista Francês recomendou que ele não fosse prestigiar uma conferência do Sartre. Um dirigente do PCF disse que o Picasso era muito
indisciplinado e não acatava o Partido. Niemeyer conta que não foi à conferência, mas mandou uma carta a Sartre para dizer que concordava com suas idéias.
Niemeyer diz que casou com a secretária Vera, aos 99 anos, porque é sempre importante estar ao lado da mulher que se ama. Ele concluiu a entrevista ao dizer que chegava de falar de arquitetura, porque o importante mesmo é mulher.
A entrevista se travou na biblioteca de Niemeyer e diante da cadeira dele há uma fotografia de um amigo francês e três mulheres nuas, numa praia no Sul da França. Duas de barriga para cima e uma de barriga para baixo. Quando Paulo Henrique lhe perguntou sobre a foto, Niemeyer falou: “é uma beleza”.
Veja abaixo outros pontos dessa entrevista:
Paulo Henrique Amorim – Devo chamá-lo como?
Oscar Niemayer – Oscar.
Paulo Henrique Amorim – Oscar, a nossa conversa tem como propósito celebrar, no dia 15 de dezembro, os seus cem anos.
Oscar Niemayer – Você sabe que eu fiz um artigo na IstoÉ em que eu contava uma conversa que eu tive comigo mesmo, com esse ser misterioso que tem dentro de nós. Então eu dizia para mim mesmo: “Oscar, não vai nessa conversa de cem anos, isso é ridículo, não tem interesse nenhum, não cai nessa…” e eu sou obrigado, às vezes, a participar da conversa.
Paulo Henrique Amorim – Mas o senhor tem uma frase muito bonita que diz que “a vida é um sopro”. Mas o seu sopro já dura, pelo menos, cem anos.
Oscar Niemayer – É o destino… não sei. Eu olho para trás, não sou como os outros que dizem que fariam tudo igual, eu faria muita coisa diferente. A vida é difícil, a vida nos leva nas coisas que às vezes a gente não quer. Eu me lembro do Jorge Saldanha que vinha aqui quase todos os sábados e dizia, se queixava, “a gente não pode fazer plano nenhum que o destino muda, não é? A vida é cheia de surpresas”. A própria situação internacional depende do inesperado, acontece qualquer coisa e muda tudo. De modo como vive assim uma posição muito precária e que vindo de baixo do universo e achando que é importante, na realidade pouca coisa é importante. A vida é um sopro, a gente vem, conta uma história e todo mundo esquece depois.
Paulo Henrique Amorim – Mas não no seu caso. As suas histórias são de concreto, ficam para sempre.
Oscar Niemayer – É, enfim. Trabalhei, não posso me queixar. O primeiro trabalho que eu fiz em Pampulha foi tendo sucesso, eu trabalhei para JK naquela ocasião, eu me lembro que Pampulha foi o início de Brasília, não é? A mesma correria, a mesma angústia, a mesma preocupação com prazo, e tudo correu bem, Pampulha com a Igreja assim diferente, coberta de curvas, ele ficou satisfeito. Tudo isso eu acredito, deu ao JK um ânimo assim para tocar para Brasília. Eu me lembro que ele me procurou e disse, “Oscar, fizemos Pampulha, agora vamos fazer a nova capital”. E começou essa aventura que durou alguns anos e que deu, pelo menos, ao povo brasileiro a sensação de um pouco de otimismo diante do futuro que agora a gente vê com um certo prazer. A gente sentindo que o Brasil está bem conduzido, que o presidente é operário e está, pela própria origem, ligado ao povo, que o Brasil está crescendo para ser um país importante, a América Latina está se unindo contra essa aventura do império do Bush.
Paulo Henrique Amorim – O senhor não gosta do Bush?
Oscar Niemayer – Eu acho que ele é um merda, sabe.
Paulo Henrique Amorim – (risos) é muito simples. Mas deixa eu voltar um pouquinho aos cem anos. Os cem anos, a gente pode enumerar uma série de defeitos dos cem anos, mas tem vantagens nos cem anos também, não tem?
Oscar Niemayer – O pessoal fica mais condescendente, tratando a gente melhor.
Paulo Henrique Amorim – Mais generoso… não é?
Oscar Niemayer – …com pena. Cem anos dá pena não dá prazer. Eu ia passar os cem anos sem muita alegria. A vida passou, eu procurei ser correto, trabalhar, mas não estou contente, na verdade não traz nenhum prazer.
Paulo Henrique Amorim – Nada?
Oscar Niemayer – Não. Só se o sujeito pensar que é importante, e eu acho isso tão ridículo, se ele pensar que é importante ele está fora do mundo.
Paulo Henrique Amorim – Mas nem o Oscar Niemayer é importante?
Oscar Niemayer – A nossa política agora é um pouco diferente, é ligada à arquitetura, mas sempre procurando resolver o problema do jovem. Nós estamos pensando no Brasil, no sujeito que entra para a escola sem ler um livro e depois é formado, sai da escola como um especialista só falando da sua profissão e o mundo pede gente diferente, que se interesse, que converse, saiba alguma coisa. Nós, por exemplo, aqui no escritório nós temos um professor de filosofia há cinco anos. Ninguém quer ser um intelectual…
Paulo Henrique Amorim – O senhor estuda filosofia?
Oscar Niemayer – Há cinco anos. Mas ninguém tem esse interesse agora.
Paulo Henrique Amorim – Mas, qual é esse seu interesse por filosofia agora?
Oscar Niemayer – A gente quer se informar melhor sobre tudo, aprender outras coisas. O importante é a pessoa ser curiosa. Não é um interesse de um intelectual, é um interesse de um sujeito normal que sente a vida, que é solidário, que acha que o mundo pode ser melhor, que um dia o homem possa ter prazer em ajudar o outro, é isso que é a generosidade num certo sentido. E o ser – humano, é verdade, a perspectiva dele é muito pouco.
Paulo Henrique Amorim – É muito pouco?
Oscar Niemayer – A própria natureza está começando a evoluir, já falam que o sol pode crescer, pode queimar tudo, essas teorias todas, a gente tem que querer, ter vontade de participar, ter uma idéia também, para onde nós vamos… não é? De modo que o que eu acho importante é o jovem ler, se informar, ter uma base patriótica, saber que o Brasil é importante. Antigamente não era preciso falar muito em pátria não, mas hoje tem que falar. A América Latina está ameaçada, nós temos que nos unir, o que eu acho que é importante é ter uma visão geral do mundo.
Paulo Henrique Amorim – Você se considera um patriota?
Oscar Niemayer – Entre nós, geralmente os nossos irmãos militares, a gente traz a idéia da pátria no peito, porque a própria profissão obriga. Quando precisamos dessas autoridades, eles são indispensáveis. É lógico que eu penso o Brasil, penso o povo brasileiro, satisfeito, porque eu estou sentindo que o Brasil está caminhando melhor, vai ser um grande país. A juventude começa a compreender que a vida não é um passeio, que tem que se informar, o jovem tem que ler, participar da vida, se informar, não pode se transformar num especialista que só fala em arquitetura, que só fala em teoria, em medicina…
Paulo Henrique Amorim – O senhor não gosta de falar muito em arquitetura, não é?
Oscar Niemayer – Quando vêm estrangeiros aqui, repórteres estrangeiros, eles realmente querem que eu fale o que eu fiz, os projetos, me dá uma preguiça de falar. A Arquitetura é importante, é a minha profissão, passei a vida debruçado na prancheta. Mas o importante é a vida, fazer a vida mais justa, isso é o que é importante e eles ficam assim e logo para eles sentirem bem o meu ponto de vista eu digo: “vocês sabem, quando eu vejo os estudantes na rua protestando, acho que o trabalho deles é mais importante do que o meu”.
Paulo Henrique Amorim – Você soube que foi feita uma enquete agora para localizar os cem maiores gênios vivos.
Oscar Niemayer – Eles se enganaram, eu não tenho que estar nisso não…
Paulo Henrique Amorim – E você está entre os dez maiores dos cem. Isso não é uma coisa que te dá alegria?
Oscar Niemayer – Não… quem é que julgou? Quem é que procedeu? Tem tanta gente mais importante.
Paulo Henrique Amorim – Por exemplo?
Oscar Niemayer – Ah… tem tanta gente… são tão importante. A vida é ingrata, é injusta. Eu acho que a gente tem é que… não devemos manter uma posição assim, de falar das coisas, mas por agir. Por exemplo, tem um colega meu aí, ele queria ser arquiteto, mas era muito humilde, ele não podia ser. Então eu estou pagando a escola dele, no fim do ano ele vai ser arquiteto. Mas ele tem um compromisso comigo, ele tem que ler. Então ele já sabe, tem que ler Machado de Assis, tem que ler Graciliano Ramos, tem que ter uma idéia da vida. É preciso, a leitura é indispensável. Eu me lembro que teve um período que eu já muito li muito o Simenon, escritor francês de contos policiais. O pessoal do escritório falava, “para quem ler isso, esse negócio não tem conteúdo nenhum”. Mas, um dia eu li um livro do Sartre, onde ele dizia, “hoje li três livros de Simenon”. Então, se Sartre leu três livros de Simenon, a leitura é necessária, qualquer leitura é necessária.
Paulo Henrique Amorim – Mas Oscar, por mais que você tenha resistência em falar de arquitetura, um grande amigo seu, que é meu amigo também, o Ítalo Campofiorito deu uma entrevista dizendo assim, “Que o Oscar, ele faz obras tão grandes que acabam se tornando a marca, a cara, a personalidade de uma cidade”.
Oscar Niemayer – É um amigo que está falando, não é? Mas é bom, é verdade, eu procuro fazer uma arquitetura diferente. Acho que a arquitetura tem que criar espanto, criar surpresa, é feito a obra de arte, a obra de arte se caracteriza quando ela provoca emoção e surpresa. Então, a arquitetura, ter uma arquitetura diferente, é importante, é a prova da criação. De modo que eu trabalho nisso, eu tenho um projeto para fazer, eu estou nesse caminho, eu tiro metade dos apoios, a arquitetura se faz mais audaciosa, não é, com espaços mais generosos, aí eu posso atuar de uma forma diferente, o que ocorre sem nenhum preconceito antes. Um dia perguntaram ao André Malraux uma pergunta semelhante e ele disse, “eu tenho dentro de mim tudo o que eu amei na vida”, isso às vezes me ocorre, de modo que a coisa é espontânea, eu acho que a arquitetura está na cabeça, eu posso, sentado aqui, pensar dois dias num projeto levantar e desenhar. Agora, o desenho é importante também porque surge uma idéia… mas a arquitetura não tem nada de especial. Hoje o concreto permite tudo, no período da renascença, por exemplo, sujeito queria fazer uma cúpula, não passava de quarenta metros de vão. Eu fiz agora o museu de Brasília, tem 80 metros de vão, eu podia ter feito de 150 metros de vão. O arquiteto hoje tem à disposição dele uma técnica fantástica. Ele pode usar como bem entender. Agora, alguns arquitetos procuram fazer alguma coisa mais simples, como se fosse estrutura metálica, outros, como eu, procuram uma forma diferente, a surpresa, e faz parte da arquitetura.
Paulo Henrique Amorim – Por que é que os brasileiros, por exemplo, não se dão conta de que um dos prédios mais lindos de Nova York é de sua autoria, o prédio da ONU?
Oscar Niemayer – Foi da minha autoria. Um dia houve um concurso e escolheram o meu projeto. Nesse projeto eu criava a Praça das Nações Unidas. Tinha um prédio alto no centro, uma grande Assembléia de um lado, outro prédio do outro, então era muito bonito. E foi por unanimidade que escolheram esse projeto. Mas depois, eu mesmo permiti mudar a posição da Assembléia e o projeto mudou, o projeto com a Assembléia grudada em um prédio alto, não é de boa arquitetura.
Paulo Henrique Amorim – Você próprio não gosta muito.
Oscar Niemayer – Eu me arrependo de ter aceitado mudar a posição da assembléia.
Paulo Henrique Amorim – Foi um pedido do Corbusier, não foi?
Oscar Niemayer – Eu era jovem e ele era um mestre e eu atendi, mas foi péssimo, o projeto original era muito melhor.
Paulo Henrique Amorim – A sua memória é perfeita, não é isso? Com cem anos a sua memória está ótima.
Oscar Niemayer – Para algumas coisas sim, para outras não. As coisas ruins eu procuro esquecer.
Paulo Henrique Amorim – Mas, uma vez você estava com um amigo, num restaurante aqui da Avenida Atlântica, o Lucas, e eu estava com a minha filha, que tinha acabado de chegar de Brasília, eu fui mostrar a ela a capital do Brasil. Eu disse para ela, “minha filha, quem está ali é o Oscar Niemeyer”, e ela, “Ah, aquele da catedral, do Palácio da Alvorada”, eu digo, “pois é, vamos lá conhecê-lo?”, e eu levei a minha filha para conhecê-lo. Você foi muito gentil, muito simpático e ela perguntou, “como veio à sua cabeça a idéia de fazer aquelas duas bolas do Congresso?”. Aí você pegou uma laranja… lembra disso?
Oscar Niemayer – Não.
Paulo Henrique Amorim – Pegou uma laranja, cortou ao meio e disse, “assim ó”.
Oscar Niemayer – Realmente, o projeto do Congresso é o que eu gosto mais. Fui um pouco corajoso fazer aquilo, aquilo deu mais trabalho do que parece, não era feito cortar uma laranja. Eu me lembro que tempos depois o engenheiro que calculou, o Joaquim Cardoso, me telefonou e disse, “Oscar, encontrei a tangente que vai permitir que a cúpula da Câmara pareça apenas posada.” De modo que fazer uma forma assim, já conhecida, tem problemas de estrutura, enfim, não é fácil de fazer. Eu gosto, o espaço entre elas é bom, o espaço faz parte da arquitetura.
Paulo Henrique Amorim – Mas e aquelas curvas do Palácio da Alvorada, o mundo inteiro copia as suas curvas.
Oscar Niemayer – Você vê que nós estamos com a idéia do prazo na cabeça, tinha que correr. Mas isso não me levou, felizmente, a procurar a solução mais simples, repetida. Em cada caso eu queria uma solução nova. Então eu cheguei àquela solução, dos apoios em curva que eu vi publicado pelo mundo e sem mágoa nenhuma. Quando o sujeito copia uma coisa minha eu acho que ele é gentil, ele gostou daquilo. Há pouco tempo saiu nos Estados Unidos uma nota dizendo que um arquiteto lá tinha copiado um arco que eu fiz ali num projeto. Eu disse logo que não, que não estava zangado não, ele gostou do arco, ele foi gentil.
Paulo Henrique Amorim – É um elogio, o plágio é uma forma de elogio.
Oscar Niemayer – O difícil no mundo, é uma prática que eu faço e realmente é útil, é sempre procurar viver tranqüilo, aceitar as coisas, aceitar a burrice, até a burrice ativa que incomoda.
Paulo Henrique Amorim – A burrice ativa? E tem muito burro ativo, não é? Tem burros dinâmicos.
Oscar Niemayer – Pois é, é respeitar os amigos. Eu sou incapaz de criticar algum arquiteto. Eu acho que ele teve trabalho, procurou fazer, a solução que ele pensou é aquela. Mas o importante na arquitetura é o arquiteto fazer o que ele gosta e não o que os outros gostariam que ele fizesse, esse é o ponto de partida.
Paulo Henrique Amorim – O JK foi o homem público que você mais admira?
Oscar Niemeyer – Não, tem tantos homens públicos… Eu admiro ele, eu admiro a coragem dele, o espírito de empreendedor, de fazer Brasília. tem tanto brasileiro importante. Importante como ele. Por exemplo, uma pessoa que eu admiro muito é o Capanema, que eu lhe dei durante muito tempo.
Paulo Henrique Amorim – Gustavo Capanema, o ministro da Educação.
Oscar Niemeyer – Ministro da Educação, chamou Drummond, foi Capanema que me chamou para Brasília.
Paulo Henrique Amorim – E foi para fazer o prédio do MEC, o primeiro prédio do Ministério da Educação.
Oscar Niemeyer – Não, o prédio é do Corbusier, nós melhoramos. Agora, o trabalho que ele me chamou para fazer Brasília. O Juscelino apareceu e ele me indicou. Essa história mostra que as coisas surgem naturalmente. Eu trabalhava numa universidade e não gostei da universidade, pedi demissão, Capanema não aceitou a minha demissão e deixou para mim um bilhete. Eu fiquei um ano lá, ajudando, uma coisa e outra ligada a arte, com o Drummond, aquela turma do gabinete dele e ficamos muito amigos. Então, quando veio o Juscelino, ele me indicou. Quer dizer, se eu não tivesse brigado na universidade e saído e o Capanema me chamado para o gabinete, não aceitando a minha demissão, eu não tinha ficado amigo dele, e ele não me indicaria. Capanema foi fundamental na minha vida de arquiteto.
Paulo Henrique Amorim – Como está a encomenda que o Chávez fez, de fazer um Memorial para o Bolívar?
Oscar Niemeyer – Não, não tem encomenda. Ele esteve aqui, muito simpático, falou muito em Bolívar. Eu tinha idéia de um monumento e mandei para ele como presente. E admiro, é um sujeito patriota, ele quer melhorar o país, ele acha que um bom governo pode continuar mais tempo…
Paulo Henrique Amorim – Isso para você não é uma coisa grave?
Oscar Niemeyer – Não, acho que ele tem o direito, ele está no clima de revolução, ele tem que defender a revolução e lutar contra tudo. Me lembro, por exemplo, uma vez eu fiz uma mesquita em Argel. E o presidente da República, (Houari) Boumedienne, foi um grande general lá. Eu levei a mesquita para ele e eu me lembro que ele disse assim: “Mas essa é uma mesquita revolucionária”. Eu disse: “A revolução não deve parar”. Eu estava tão certo. A revolução não deve parar. A revolução tem que continuar brigando, senão ela acaba, se as forças contrárias fossem crescendo. De modo que a Revolução Cubana ainda existe. Qualquer revolução dessas – o Chávez também –, os inimigos da revolução estão lá. A revolução está em curso, não sumiu ainda. E quando sumir tem que continuar testando a continuidade.
Paulo Henrique Amorim – Você diria que hoje você é politicamente mais radical do que 50 anos atrás?
Oscar Niemeyer – Não. Eu desculpo muito as pessoas. Eu custo muito a ter raiva de uma pessoa. Acho que toda pessoa tem um lado bom. Eu sou incapaz de criticar o trabalho de um arquiteto, mesmo que eu não esteja de acordo. A gente tem que procurar o equilíbrio, isso é que faz bem inclusive para a saúde.
Paulo Henrique Amorim – Como é que está a saúde?
Oscar Niemeyer – Eu nunca tive doente.
Paulo Henrique Amorim – Nada?
Oscar Niemeyer – Nada.
Paulo Henrique Amorim – Como é que é a sua dieta?
Oscar Niemeyer – Vida normal, como de tudo.
Paulo Henrique Amorim – Come de tudo?
Oscar Niemeyer – Como muito pouco, não gosto de comer muito. Tomo meu vinho de tarde.
Paulo Henrique Amorim – Vinho tinto?
Oscar Niemeyer – É. Os amigos que batem papo, isso ajuda.
Paulo Henrique Amorim – Fuma?
Oscar Niemeyer – Fumo. Agora estou fumando mais.
Paulo Henrique Amorim – Mais?
Oscar Niemeyer – É, porque eu fico meio sozinho, aí sou obrigado a fumar.
Paulo Henrique Amorim – Mas o médico não reclama? O coração, essas coisas.
Oscar Niemeyer – O médico vem aqui de vez em quando, eu chamo ele para bater papo, para dizer que está tudo bem, me sinto à vontade.
Paulo Henrique Amorim – E fuma na frente dele?
Oscar Niemeyer – Ele diz que posso fumar.
Paulo Henrique Amorim – E qual é a sua rotina de trabalho?
Oscar Niemeyer – Eu chego aqui, tenho que atender a imprensa. Tem gente de fora, gente do Brasil, gente que tem vontade de me conhecer. Então, meus dias são ocupados. Às vezes tem um dia mais folgado e eu chamo os amigos e começamos a trabalhar. Aí trabalho o que for preciso.
Paulo Henrique Amorim – Noite a dentro, se for preciso?
Oscar Niemeyer – Não, não tenho trabalhado de noite.
Paulo Henrique Amorim – Mas nesse momento você faz o que, por exemplo?
Oscar Niemeyer – O último trabalho – estou com ele na prancheta – é um museu para a Espanha. É um museu que me agrada muito, que é uma praça grande e tem um auditório para mil pessoas e o museu do outro lado. Então, é feito um monumento para ser criado na Espanha. O museu é uma coisa nova, diferente e o auditório também, o teatro. De modo que interessa muito. Mas tem esse trabalho que eu estou fazendo para o governador de Brasília que é importante. Eu inventei uma cúpula que é uma placa solta no ar com cem metros por oitenta. Essa placa podia abrigar um campo de futebol.
Paulo Henrique Amorim – E isso vai ser o que?
Oscar Niemayer – Isso vai ser para as grandes festas populares. Embaixo dessa placa ele vai poder convocar de trinta a quarenta mil pessoas. De modo é um trabalho assim que me anima mais. E, além disso tem um circo e um auditório. Então, uma obra para Brasília é muito importante.
Paulo Henrique Amorim – É uma praça do povo.
Oscar Niemayer – Também estou fazendo para Minas um projeto que está dando trabalho. Eu quero substituir aqueles prédios antigos, como é que chamava aquilo? No lugar daquelas construções antigas vou fazer um novo centro administrativo.
Paulo Henrique Amorim – Ah, o novo centro administrativo do Governo de Minas, em Belo Horizonte. É você que vai fazer?
Oscar Niemayer – Já está entregue tudo…
Paulo Henrique Amorim – Já está andando? Já está entregue?
Oscar Niemayer – Então, com isso, adotei nesse caso uma arquitetura mais em altura, invés de fazer quarenta secretarias, ou trinta e tantas, eu fiz só duas.
Paulo Henrique Amorim – Duas?!
Oscar Niemayer – Dois prédios de duzentos metros com vinte andares. Então, com essa solução, o terreno pareceu que tinha crescido. Os planos ficaram mais generosos. É engraçado que o prédio do Palácio (do Governador), que eu projetei também, é direta. Então, é uma solução tão esclarecida, sob o ponto de vista da arquitetura, que eu rejeitei e nunca fiz isso, projetei uma ruazinha defronte para depois de construir o conjunto o pessoal passar e sentir que foi uma obra bem pensada. A arquitetura deve ser usada com coragem, assim, sem medo de espantar as pessoas.
Paulo Henrique Amorim – Você está construindo uma nova cidade em Belo Horizonte. Eu pergunto, olhando para trás, 50 anos para trás, você acha que Brasília deu certo?
Oscar Niemayer – Eu acho, Brasília deu certo, é isso que ele (JK) queria, levar o progresso para o interior e eu acho que ele levou. Tem problemas em Brasília, por exemplo, tem as cidades satélites que tem mais gente que em Brasília.
Paulo Henrique Amorim – Do que em Brasília propriamente dito.
Oscar Niemayer – Brasília é aquilo. Eu gosto mesmo é do Rio. Do Rio da praia, dos amigos, de olhar para o mar, de sentir que a natureza é fantástica.
Paulo Henrique Amorim – E São Paulo?
Oscar Niemayer – São Paulo é isso, as ruas eram estreitas, os prédios subiram, as ruas continuaram da mesma largura, ficou um prédio contra o outro. O único lugar do mundo que eu conheço que arquitetura e altura são tão bem aplicadas é na França, na Île-de-France. Île-de-France, os prédios grandes, mas os espaços horizontais acompanham os prédios também, são mais generosos, mostram essa relação de volume e espaço livre tão bem cuidada. Então é muito bonita, a Île-de-France. Agora, usar arquitetura e altura sem esse sentimento de compreensão dos espaços, como Nova York por exemplo, é uma merda.
Paulo Henrique Amorim – Mas São Paulo é Nova York multiplicada por dez.
Oscar Niemayer – Pois é, eu estou dizendo. Estou dizendo que São Paulo é ruim também porque é o mesmo espírito. Não há essa relação de volume e espaço livre que a boa arquitetura exige.
Paulo Henrique Amorim – Você conhece essa frase do Chico Buarque, “a música do Tom é uma casa desenhada pelo Niemayer”.
Oscar Niemayer – Nós estamos fazendo uma revista de arquitetura, (como a que) tivemos uma há tempos atrás.
Paulo Henrique Amorim – A Modulo?
Oscar Niemayer – Agora é outra. O nome da revista é Nosso Caminho. A idéia que dá é o nosso caminho para frente. Então, nessa revista, a arquitetura tem uma terça parte, o resto artigos variados, filosofia, história, letras. Mas essa revista, nós já estamos pensando no meio da revista uma página com um retrato do Chico e um textozinho. É uma homenagem da revista, desse primeiro número para o Chico.
Paulo Henrique Amorim – E quem é que dirige a revista, é você?
Oscar Niemayer – Não, quem dirige é a minha mulher. Eu cuido assim das coisas de organização das páginas.
Paulo Henrique Amorim – Da paginação, a parte gráfica.
Oscar Niemayer – É.
Paulo Henrique Amorim – Que legal, quando sai essa revista?
Oscar Niemayer – Está pronta, estamos acertando os textos e tudo. É uma revista assim, aberta para o conhecimento. São artigos, tem artigos do Ferreira Gullar, tem artigo do…
Paulo Henrique Amorim – Do Gullar deve ser sobre artes plásticas.
Oscar Niemayer – Artes plásticas, tem artigo do Fiori.
Paulo Henrique Amorim – José Luiz Fiori.
Oscar Niemayer – São cinco artigos, os mais variados.
Paulo Henrique Amorim – E seu não tem nenhum?
Oscar Niemayer – Tem meu também.
Paulo Henrique Amorim – Sobre o que?
Oscar Niemayer – Eu estou querendo usar um artigo que eu falei sobre arquitetura também. Mas sem fugir do assunto da vida.
Paulo Henrique Amorim – Mas você roda, roda, roda e volta para a arquitetura.
Oscar Niemeyer – Se você concordar que nós fazemos arquitetura para o poder, a arquitetura não chega aos barracos. Então, a arquitetura que deve crescer em função da técnica e da sociedade, está faltando essa parte. Ela evoluiu, a arquitetura hoje é mais rica, imensamente mais rica, como solução técnica do que antigamente. Mas continua voltada para os que têm direitos à arquitetura, às classes mais favorecidas. O pobre está na favela olhando os palácios.
Paulo Henrique Amorim – Você diria que seria, em resumo, o seguinte: eis o que lhes devia dizer sobre a minha arquitetura, feita com coragem e idealismo, mas consciente de que o importante é a vida. Os amigos e esse mundo injusto que precisamos melhorar.
Oscar Niemeyer – Exatamente.
Paulo Henrique Amorim – Mas isso é seu.
Oscar Niemeyer – É, é o que eu penso.
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