Por Paulo Cezas Farias* (Folha de SP)
Aos cinco anos de idade, Joceli Borges foi retratada pela famosa câmera de Sebastião Salgado ao lado dos pais, que peregrinavam pelo interior do Paraná em busca de um lote de terra.
Aquele rosto sujo de olhar provocativo virou capa de livro e ganhou espaço na mídia, em museus e em galerias do Brasil e do exterior.
Passados 16 anos, a jovem de 21 anos continua uma trabalhadora rural sem terra. Vive com o marido e a filha em um acampamento do MST e diz ter dois sonhos: um lote e dois exemplares do livro que espalhou sua imagem mundo afora. "Um pra mim e outro pro meu pai."
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O livro "Terra", com o rosto de Joceli na capa, foi lançado em abril de 1997. Além de uma centena de fotos em preto e branco do meio rural brasileiro, o trabalho traz texto de José Saramago e vem acompanhado de um CD com músicas de Chico Buarque.
O livro "Terra", com o rosto de Joceli na capa, foi lançado em abril de 1997. Além de uma centena de fotos em preto e branco do meio rural brasileiro, o trabalho traz texto de José Saramago e vem acompanhado de um CD com músicas de Chico Buarque.
À época, os sem-terra marchavam pelo país para lembrar o primeiro aniversário do massacre de 19 sem-terra em Eldorado do Carajás (PA), invadiam propriedades aos montes e colocavam a reforma agrária em destaque.
Hoje o tema sumiu da agenda do governo federal, e, muito por conta da consolidação do Bolsa Família, os sem-terra não têm mais aquele exército de militantes.
Terra Pequena
Após o clique de Salgado, Joceli viu seus pais conquistarem a posse definitiva de um terreno. Era o fim de um drama: meses debaixo de barracos de lona, em um acampamento com alimentação escassa e sem água, saneamento e assistência médica.
A família cresceu, ela se casou, teve uma filha, e decidiu se mudar para um acampamento do MST, mesmo sem a certeza de que um dia terá a sorte de seus pais. A fazenda está invadida há cinco anos --os donos tentam a reintegração na Justiça.
"Não vi ele me fotografando. Parece que estou olhando para a foto, mas não lembro de ver alguém me
fotografando. Nem minha família lembra o local exato onde foi. Fiquei sentida por sair toda desarrumada. Mas fico feliz pelo meu pai e minha mãe ter conquistado a sua terra."
fotografando. Nem minha família lembra o local exato onde foi. Fiquei sentida por sair toda desarrumada. Mas fico feliz pelo meu pai e minha mãe ter conquistado a sua terra."
A imagem foi captada na margem da rodovia que liga Laranjeiras do Sul a Chopinzinho (oeste do Paraná).
Até conseguir a entrevista, a reportagem teve três encontros com Joceli. No primeiro, ela não quis falar. Disse que ainda estava abalada pela morte da mãe com um tiro na cabeça em um acampamento de sem-terra, em 2009.
Joceli, então com 17 anos, presenciou os disparos e, para se proteger, correu para o meio de um milharal. O alvo era um amigo de sua mãe, que sobreviveu mesmo atingido por dois tiros.
Na segunda tentativa, ela afirmou que escreveria a sua trajetória.
Só na terceira oportunidade aceitou falar, mas com a condição de que antes das fotos pudesse ajeitar o visual. "Um dos meus maiores sentimentos e do meu pai foi eu sair na foto do livro toda desarrumada", afirma.
Joceli vive com o marido, Adair, e a filha, Joslaine, em acampamento a 15 km do centro de Quedas do Iguaçu. No dia a dia, planta o que chama de "miudezas": mandioca, batata doce, milho, feijão, melancia e verduras para vender na cidade.
Sonhos
Pai de Joceli, Alípio Borges vive em Rio Bonito do Iguaçu, a 85 km de Quedas.
"Eu não conheço o homem que retratou minha filha. (...) Já recebi propostas de pessoas para entrar na Justiça e buscar direitos [pelo uso da foto], mas conheço muito da luta. Deixo isso nas mãos de Deus", afirma.
O fotógrafo cedeu os direitos autorais do livro "Terra" ao MST. Joceli e Alípio dizem que nunca conversaram com Sebastião Salgado. Anos atrás, diz ela, um instituto criado pelo fotógrafo lhe ofereceu oportunidade de estudo em São Paulo. Para não ficar longe da família, recusou.
E se encontrasse hoje com Sebastião Salgado? "Nem saberia o que falar. Quero é conquistar meu pedaço de terra. Acho que estudar não é mais importante para mim."
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