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terça-feira, 7 de maio de 2013

Tempos Insanos









Dani Rodrik condena as políticas de austeridade, prevê o fim dos milagres econômicos e diz que nações como o Brasil levam vantagem


por Eduardo Graça para Carta Capital — publicado 06/05/2013

Um dos mais respeitados professores da Universidade Harvard, titular de Política Econômica Internacional da Escola John F. Kennedy, o economista de origem turca Dani Rodrik integra um grupo consistente (e crescente) de analistas críticos aos programas de austeridade adotados na Zona do Euro. "O que acontece na Europa é um assalto à democracia", define. 

Autor de Has the Globalization Gone Too Far (1997), One Economics, Many Recipes (2007) e The Globalization Paradox (2011), Rodrik concedeu a entrevista a seguir em seu escritório em Cambridge antes da polêmica sobre o erro de cálculo cometido pelos economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff em estudo a respeito da relação entre endividamento e crescimento econômico, na verdade um libelo em defesa das políticas de austeridade preconizadas por conservadores e aplicadas na Europa com os resultados até aqui conhecidos. Um dia antes da entrevista, o acadêmico postara, no entanto, o seguinte comentário no Twitter sobre o lançamento de Austerity: The History of a Dangerous Idea, do diretor dos programas de graduação em Relações Internacionais e Estudos de Desenvolvimento da Universidade de Brown, Mark Blyth: “Foi preciso um cientista social para denunciar a insanidade das políticas econômicas baseadas na austeridade”.
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Segundo o economista, a era dos “milagres econômicos” passou, o crescimento das economias tende a ser mais lento, mas os países com forte mercado interno e projetos de inclusão social estão em melhor posição para avançar. “O Brasil segue como uma dessas nações”, afirma. 

Rodrik será o principal palestrante do 1º Fórum de Economia promovido por CartaCapital. O seminário acontece na terça-feira 7, no Hotel Renaissance, em São Paulo, a partir das 9 da manhã. Após sua exposição, o economista responderá a perguntas do ex-ministro Delfim Netto e de Luiz Gonzaga Belluzzo, consultor editorial de CartaCapital. 

Carta Capital: O senhor escreveu há um ano que países como Brasil, Índia e Coreia do Sul estão em posição melhor do que os demais para enfrentar os novos desafios econômicos globais. Continua a ter a mesma opinião sobre o Brasil?

Dani Rodrik: Sim. Obviamente o Brasil não teve um ano bom em termos de crescimento econômico. Mas não acho que deveríamos ser obcecados com variações anuais do PIB. Deveríamos, na verdade, estar prontos para crescimentos menores globais nas próximas décadas. O contexto global será menos propício a expansões econômicas significativas, se compararmos com o cenário dos últimos 25 anos. Mesmo países cujas economias vão relativamente bem experimentarão ventos bravios. Nesse contexto, países com grande mercado interno, que investem na inclusão social e se beneficiam mais de um dinamismo real de sua economia do que da súbita entrada de capital e dos humores do mercado, no âmbito de uma democracia robusta, estarão em melhor posição para atravessar os tempos duros. O Brasil, há um ano e hoje também, segue como uma dessas nações. 

CC: Não se pode julgar a economia de um país por um ano ruim, como o senhor diz. Mas há a percepção neste momento de que o Brasil deixou de ser um favorito do mercado. O senhor vê razão para essa mudança?


DR: Os humores das finanças globais e dos investidores internacionais variam muito. A pergunta aqui é: como os investidores brasileiros, os empresários brasileiros, os industriais brasileiros, veem a economia nacional? Tenho certeza de que eles terão uma série de queixas, mas eu pediria que refletissem sobre essa questão de forma global. Eles estariam em situação melhor na Rússia, na Turquia, na Venezuela?

CC: O índice de desemprego no Brasil bateu um recorde histórico de baixa e a inflação se mantém em patamar um pouco incômodo. Economistas do País defendem aumentar o desemprego para conter os preços. O que o senhor acha?

DR: Discordo completamente dessa linha de raciocínio. As políticas sociais implantadas pelo Brasil nas últimas décadas são importantíssimas, por vários aspectos. Primeiramente, elas são uma resposta coerente às demandas sociopolíticas da sociedade brasileira. Elas também constroem paulatinamente legitimidade para o modelo democrático brasileiro. Esses são dois objetivos de suma importância. Além disso, elas fortalecem as credenciais econômicas do Brasil. Repito: há um novo cenário econômico global em que o peso do mercado doméstico é cada vez maior. Quanto mais consumidores, quanto maior a classe média, mais diversa e saudável sua estrutura econômica será. A estratégia de crescimento econômico brasileiro precisa necessariamente passar pelo fortalecimento dessa nova classe média. É claro que toda essa transformação precisa se dar em um cenário fiscal sustentável, mas não vejo os níveis de dívida no Brasil ingovernáveis. A não ser que o Brasil cresça muito, mas muito pouco mesmo nos próximos anos, não vejo sinais no horizonte que justifiquem essas medidas.

CC: Segundo o senhor, chegamos ao fim da era dos milagres econômicos e de agora em diante o crescimento será fruto de um investimento cada vez maior em capital humano. O Brasil tem um grave problema educacional. É um empecilho, não?

DR: Sim. Crescimento econômico como aquele registrado no Brasil e outros países nos anos 60 e 70 não haverá mais. Foi uma espécie de crescimento sem grande esforço. Você poderia colocar um trabalhador rural com pouquíssima educação em uma fábrica de sapatos e, imediatamente, triplicar a produtividade e o lucro. Só era necessário algum capital de investimento para as fábricas. No Brasil, esse investimento, como sabemos, deu-se com uma alta carga protecionista. Esse caminho acabou. O tipo de trabalho que gera crescimento hoje necessita muito mais especialização e consistência de investimento de capital. Além disso, exige uma série de regulamentações e instituições muito mais sofisticadas do que no passado. O crescimento não será imediato e precisará, em sua maioria, vir do setor privado em cooperação com os setores públicos. Vejo cada vez menos uma demarcação clara de onde se é público, onde se é privado.

CC: Um dos tópicos debatidos no mais recente encontro dos chamados BRICS, na África do Sul, foi a criação de um Banco Mundial dos países emergentes. Também se falou de uma opção ao FMI. Qual o significado dessas iniciativas?

DR: São propostas inegavelmente importantes e que podem ter um impacto na economia global. Mas gostaria de ver o foco dos BRICS na geração de novas ideias e novas estratégias de desenvolvimento voltadas especificamente para mercados emergentes. Os BRICS deveriam deixar de se pautar pelo mercado financeiro e pelos fluxos de capitais e investimentos. A economia global não precisa de mais instituições de financiamento. Da perspectiva dos mercados emergentes, é preciso mais e melhores ideias. Precisamos do enfraquecimento da hegemonia das instituições criadas pelos países desenvolvidos, inclusive desta em que estamos, Harvard, em oferecer ideias que os demais necessariamente discutem, seguem, aplicam. Já é tempo de os BRICS terem confiança para contribuir de forma decisiva no universo do pensamento econômico e social. Não precisamos de mais um fundo de investimentos, e sim de linhas de pensamento diversificadas daquelas do “centro”.

CC: Como o senhor vê o efeito do impasse ideológico entre democratas e republicanos na maior economia do planeta?

DR: O efeito dessa batalha é extremamente debilitante para a economia norte-americana. E é muito difícil para um observador local não se mostrar pessimista ante essa disputa ideológica divorciada da realidade, dos fatos. Por outro lado, precisamos levar em conta a longa tradição política americana do pragmatismo. Essa característica possibilita certa margem de movimentação distante do asfixiamento ideológico de Washington. Desde os anos 80, os Estados Unidos eram vistos como um paraíso fundamentalista do livre-mercado. No dia a dia, você percebe o pragmatismo no tamanho da intervenção do Estado, em níveis federal, estadual e local, na economia do país, em colaboração com o setor privado. Vê-se esse pragmatismo na prática, por exemplo, no estabelecimento de uma política industrial nacional, com incentivos a novos empreendimentos e a projetos inovadores. Minha esperança é de que a tradição do pragmatismo fale mais alto do que o impasse ideológico.

CC: Qual o papel das escolas de pensamento econômico dos EUA nesta guerra de ideias que atravanca o crescimento da economia americana?

DR: Criticam-se os economistas por não termos visão estratégica, por nos tornarmos tecnocratas, menos visionários. Talvez isso seja bom. Economistas visionários tendem a causar mais danos do que avanços. O último grande visionário americano foi Milton Friedman, um senhor economista, que conseguiu mudar a política econômica global de forma decisiva, e de forma positiva em vários aspectos. Mas sua visão de um sistema de mercado em competição com o governo, da impossibilidade de um ser o complemento do outro, do Estado compreendido como inimigo do mercado, ainda nos custa muito nos dias de hoje. Espero que os economistas sejam os generais de um exército no rumo certo, mas não os vejo necessariamente como os líderes da batalha.

CC: O senhor escreveu recentemente no Twitter, ao receber o livro Austerity: The History of a Dangerous Idea, de Mark Blyth, que “precisávamos de um cientista social para nos falar da insanidade das políticas econômicas de austeridade”. É esta a palavra correta, insanidade?

DR: É difícil encontrar outra. É uma ilusão, baseada em atitudes morais e políticas independentes da economia. A economia é clara. Quem continuar a argumentar em favor de uma política econômica baseada em austeridade fiscal nos Estados Unidos, por exemplo, o fará por questões morais – quem pegou emprestado deve pagar, é sua vez de sofrer, similar à lógica dos alemães em relação aos espanhóis e gregos na Comunidade Europeia – ou por uma concepção política oportunista, a de se usar o momento econômico para diminuir o papel do Estado. É o uso político-ideológico da crise econômica.

CC: O senhor acredita na inevitabilidade do tão falado declínio político e econômico dos EUA?

DR: Declínio é um exagero e o futuro dos Estados Unidos passará pelo resultado dessa luta entre o pragmatismo e as ideologias conflitantes das quais falávamos há pouco. Mas sou otimista em relação ao futuro americano, especialmente se comparado com o Japão e a Comunidade Europeia. As novas descobertas de petróleo e gás natural são um fator importante. O país seguirá um farol de inovação, diversidade e liberdade para o restante do planeta.

CC: Os BRICS falam em incrementar transações comerciais sem passar pelo dólar. O senhor crê que a moeda americana deixará de ser a unidade monetária padrão para negócios planetários no futuro?

DR: Essa transformação é inevitável. O papel do dólar será diminuto, mas ele seguirá como uma das mais importantes moedas internacionais, fundamental para as reservas de muitos países. Esse declínio não terá, porém, grande relevância para a economia internacional.

CC: O avanço militar da China e as tensões com seus vizinhos do Pacífico, mais do que a redução do ritmo de crescimento do país, podem ser um complicador para o cenário econômico global?

DR: Politicamente, o avanço chinês representa a dissolução do cerco de segurança norte-americano no Pacífico e é reflexo do fim da ordem americano-europeia global. É um novo mundo onde a China não é apenas uma potência econômica, mas política e militar. O mistério é como a China exercerá sua influência global. Logo após a Segunda Guerra Mundial, a hegemonia americana deu-se pela projeção de seu poder baseado em um sistema democrático interno. Foi, de certa forma, um exercício de poder liberal. Obviamente, quando impuseram a visão americana em instituições criadas nos Acordos de Bretton Woods, o beneficiário maior foram os Estados Unidos. Mas regras de transparência, de não discriminação, foram princípios que beneficiaram todo o planeta. O receio é que os princípios chineses ignorem a ideia global, valorizem a falta de transparência, o aumento da burocracia, os acordos caso a caso, o que não beneficiaria a comunidade internacional. Brasil e Índia, os dois países democráticos dos BRICS, são peças importantíssimas nesse tabuleiro. Quando Brasil e Índia usam seu poderio econômico de forma global, é importante perceber se eles estão de fato projetando os valores de suas vibrantes democracias. Para o futuro da economia global, seria fundamental que o fizessem.

CC: Em seu mais recente livro, O Paradoxo da Globalização, o senhor defende a impossibilidade de países serem ao mesmo tempo democracias modernas, contarem com uma economia globalizada e manterem um senso de soberania nacional. O que observamos na Espanha, Portugal, Grécia e Chipre é a ausência de democracia nas decisões econômicas praticadas pelas lideranças desses países?

DR: Sem dúvida, o que acontece na Europa hoje é um assalto à democracia. Quando elaborei esse tripé, há mais de dez anos, não poderia adivinhar a crise da Comunidade Europeia, um exemplo vivo do que propus. O que vemos nesses países é a entrega do poder decisório democrático a Bruxelas e Berlim, que não representam o destino dos cidadãos espanhóis, portugueses, cipriotas e gregos. É algo semelhante ao século XIX, quando a política econômica estava em piloto automático, imposta pelas regras do padrão-ouro, não importando os índices de desemprego, a deflação ou o sofrimento dos trabalhadores rurais. Não havia como o Estado se mover. O mesmo se vê agora na Zona do Euro.

CC: O estabelecimento de governos tecnocratas, como as experiências de Grécia e Itália, é uma solução possível para a crise?

DR: Não. São experiências temporárias, não soluções de longo prazo. A democracia também serve a uma função econômica. Tecnocratas deslocados dos eleitores não são garantia alguma de estabelecimento de políticas que levem em conta o desejo da maioria. Você apenas joga com a sorte. A questão europeia é saber qual das três pontas do tripé se manterá. As economias da periferia continuarão a se submeter à ideia de que só há uma regra econômica possível, manter-se na Zona do Euro, seguindo as regras de Berlim e Bruxelas, como se estivessem no século XIX? Ou a Comunidade Europeia será mais parecida com os EUA, terá um caráter mais federativo, em que o peso da realidade local será levado em conta? Infelizmente, essa janela para a grande transição europeia, neste momento, parece-me improvável, pois exigiria enorme investimento institucional e grande desapego de lideranças. A outra opção é a saída de alguns países da Zona do Euro, mais provável hoje.

CC: Quais os impactos na economia mundial do encolhimento da Comunidade Europeia?

DR: Seja qual for a solução encontrada, a Zona do Euro continuará a complicar o cenário econômico global. A saída de Grécia e Chipre, por exemplo, da Zona do Euro, após o choque inicial, pode ser boa tanto para a Comunidade Europeia quanto para a economia global.

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