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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Fishlow Diz Que Há Pouca Saída Contra Fuga de Capital







O economista afirma que não existem muitas alternativas para os países em relação à temida redução do estímulo financeiro dos EUA.




Pioneiro na formação de uma reconhecida literatura sobre desigualdade no Brasil, ainda na década de 70, o norte-americano Albert Fishlow retornou ao país na última semana para falar a economistas locais sobre a "Metamorfoses do Brasil Contemporâneo", em conferência promovida pelo Ibmec.

Na autoridade de brasilianista e professor emérito da Universidade de Columbia, Fishlow, desta vez, voltou-se especialmente contra a presença estatal nas concessões de infraestrutura, inclusive no pré-sal. "Falta poupança interna para a União fazer frente aos investimentos em parceria com o setor privado", diz ele, que destacou também o desafio da qualificação da mão de obra e sugeriu transformações na política internacional.

O professor conta que é crescente o interesse de jovens estudiosos norte-americanos pela economia nacional, e que investidores o procuram frequentemente para discutir oportunidades de negócios por aqui.

Em entrevista exclusiva ao Brasil Econômico, Fishlow critica ainda o "excessivo" otimismo do governo, ao mesmo tempo que classifica como "exagerado" o artigo da revista "The Economist", que sugere que a presidente Dilma Rousseff teria desperdiçado oportunidades de crescimento contínuo.

O que é o Brasil na atualidade e quais transformações mais relevantes alteraram seu papel no cenário internacional?


A transformação fundamental ocorreu na década de 90. O fim da inflação representa uma mudança crucial, assim como a consolidação da moeda. Outra coisa é que o país está mais aberto ao comércio internacional. Durante a década de 80, o Brasil tinha a mesma proporção de comércio internacional na renda nacional que Ruanda. Hoje em dia, essa diferença é evidente, em particular no setor agrícola. Apesar de que, de vez em quando, no Brasil não se compreende que a produtividade anual no setor agrícola seja, realmente, muito importante para o país.


O terceiro ponto é que todos os governos entendem a responsabilidade de sustentar essa mudança. Independentemente das políticas adotadas, nenhum governo poderia ter inflação de 15%, 20%, imaginando que seja aceitável. Como consequência, desde 1999 o país mantém a continuação do superávit primário. Pode haver problemas no cálculo, variações para chegar a esse número, mas todo ano é entendida a necessidade de continuar com essa política.

Assim, agora vejo outro país, tentando manejar uma integração de uma economia mundial muito mais complexa, por causa da China, que está com quase 30 anos de crescimento com média anual de 10%. Além do fator Índia, emergente na economia mundial desde os anos 90.

Os pontos que o sr. levanta estão diretamente relacionados àqueles dos principais críticos da economia de Dilma: inflação e superávit primário. Falta localizar o câmbio. Esse não é um fator relevante?


O câmbio é uma preocupação, porque uma desvalorização do real tem impacto sobre a inflação e a contaminação dos preços é motivo de atenção para o Banco Central. O BC está entendendo que, como câmbio a R$ 2,00, o setor industrial não tem como competir. Além disso, há o fim do commodities boom. De 2003 a 2010, com o câmbio favorável ao Brasil, era fácil satisfazer de um lado o consumo e conseguir uma conta no balanço corrente positiva. Sem um aumento contínuo dos preços das commodities, já não é possível.

Existe, realmente, o risco da inflação ou há um exagero nas análises dos preços?


Certamente, há o risco. Não à toa, o Banco Central está atuando. Olhando para as características da inflação, notamos que os preços administrados vão crescer a uma taxa inferior a 2%. O governo está tentando limitar a inflação. Com isso, outros problemas surgem. Toda vez que um lado é controlado, algo acontece no outro.

Qual sua opinião sobre a política de controle dos preços?


Éuma tarefa difícil sustentar emprego pleno, ter crescimento, investimento por parte da Petrobras, expansão da indústria nacional e inflação abaixo de 6%. A não ser que seja alterada a política. Não há só uma alternativa, mas uma série delas.

Uma que considero importante é a redução de tributos para o setor industrial. Como destacou a "The Economist", o preço do automóvel no Brasil é muito maior do que o de um mesmo modelo vendido no México. Isso ocorre porque há uma participação expressiva do governo nas receitas.

Além disso, há algo que poucas pessoas aqui acham importante, que é o déficit governamental. Todo mundo fala do superávit primário. Mas, de fato, o governo gasta mais do que arrecada. Isso é um estímulo à demanda, ao mesmo tempo em que é necessário evitá-la, porque o salário começa a aumentar. Veja bem o que está acontecendo na Argentina, onde não se tem sequer uma informação estatística econômica confiável e há inflação acima de 25%. Essa não é uma maneira de conduzir a política econômica.

Mas ainda estamos distantes da Argentina...


Graças a Deus. Mas, na Argentina, a inflação não começou com 20%. Começou com 8% ou algo assim. Como consequência tem os sindicatos querendo aumentos de 25% por ano. Isso tem um custo grande para a população mais pobre, que não tem condição de aumentar sua renda no meio desse processo. No fim, quando há desequilíbrio, sempre alguém paga o preço. E isso é fundamental de entender.

Mas a expansão do mercado de trabalho e da renda não ajuda, exatamente, a minimizar o desequilíbrio?


Nem sempre. O Brasil vai continuar aumentando a taxa de juros ou vai aceitar um pouco de desemprego, como consequência de ter a política fiscal menos frouxa. Essas são as alternativas da política. É impensável conseguir tudo. O Brasil, como aponta a "The Economist", está com taxa de investimento da ordem de 18%. O Chile vai atingir neste ano taxa de 26%, o México, está chegando a 23%, a Índia está com 35%, a China, com 45%.

O Brasil tem toda uma necessidade de infraestrutura, de investimento de longo prazo. Isso necessita de uma taxa ainda maior para atrair o capital de longo prazo. Não acredito que seja uma boa ideia para o Brasil ter uma taxa de juros tão alta. Mas, por outro lado, se o Brasil tiver uma taxa de juros mais baixa, precisará de uma política fiscal mais dura e permitir a poupança pública, que poderia servir - como serviu no caso do Chile, como está servindo ao México - como elemento fundamental para aumentar a taxa de investimento, em vez do gasto público.

Não há um pessimismo exagerado no artigo da "The Economist"? O sr. é reconhecido pelo otimismo com o Brasil...


Continuo otimista. Acho que o artigo foi negativo demais. De certo modo, foi consequência do artigo anterior, que antecipava um crescimento contínuo, o que foi um erro por parte da "The Economist", por não compreender que o investimento dentro do país não era suficiente para conseguir isso. Não entendeu que não seria possível para o Brasil aproveitar, simplesmente, o commodities boom para transferir recursos, porque a taxa de crescimento, mesmo das exportações agrícolas, durante um período, não aconteceu em termos reais.

O que o sr. tem ouvido de investidores norte-americanos em relação ao Brasil?


Eles têm algumas preocupações. Já vimos isso um pouco na área do pré-sal, em que o governo estava querendo a participação de até 40 companhias e apenas 11 demonstraram interesse em participar da concorrência. Nenhuma delas é norte-americana e poucas são europeias. Isso significa que eles estão preocupados com as características da licitação. No modelo de concessão, a empresa poderia aplicar tecnologia mais moderna, poderia investir e conseguir um lucro maior como consequência. Com a partilha (modelo adotado para o pré-sal), a ideia é que a empresa continue fazendo todo o investimento, utilizando a tecnologia mais moderna, mas, sem ganhar em consequência disso.

Então, por que a empresa deve decidir investir aqui, enquanto, simultaneamente, a Argentina está procurando parceiros oferecendo modelos de negócio mais tradicionais? Mesmo a Venezuela está procurando investimento no Vale de Orinoco, permitindo às empresas ganhar mais. De certa maneira, o importante para o país é realizar o investimento e, como todo mundo sabe, se há muito lucro em um projeto, as empresas têm que pagar tributos maiores.

A sua defesa é por um modelo de arrecadação em cima do resultado?


A expectativa aqui é encontrar tanto petróleo que dê para reconstruir o setor industrial com os lucros. Por outro lado, o preço do petróleo, se o cenário no Oriente Médio for apaziguado, vai começar a cair, porque os Estados Unidos estão importando muito menos petróleo e outros países seguem seu exemplo. A implicação disso é a redução do preço. Com o custo continuando alto, o que vai restar para a empresa?

As possibilidades para o Brasil são limitadas?


O Brasil terá muito mais oportunidades se a política começar a focar no médio prazo.

Nisso o sr. concorda com o governo...

Sim, mas sempre o governo faz previsões erradas e isso não ajuda nem no mercado interno, nem no internacional. Por fim, o empresário não acredita que a política interna será capaz de chegar ao ponto prometido.

O governo é excessivamente otimista?


O Mantega (Guido, Ministro da Fazenda) disse que está confiante que a economia já está a ponto de subir outra vez. Temos o exemplo do investimento na construção de rodovias (em referência à ausência de propostas para a BR-262). Vamos ter isso também na construção de ferrovias. O governo está investindo tudo nessa possibilidade de ter a participação público-privada. Só que o Brasil é um país que não tem muita experiência positiva nesse modelo de negócio.

O Brasil está em situação de desvantagem em comparação aos demais Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)?


A Índia está com dificuldade, com um déficit maior na conta corrente e fiscal. A China está com algumas dificuldades também, como consequência de um crescimento tão rápido e da falta de insumo interno. E temos uma economia mundial alterando um pouco. Regiões mais desenvolvidas, como a Europa, o Japão e os Estados Unidos, têm possibilidade de voltar a crescer. Assim, a participação dos Brics, que foi fundamental no período de 2009 a 2012, está começando a cair, como efeito do crescimento mundial.

O que pode ser feito para evitar a fuga de capital com o fim da política de estímulos financeiros dos Estados Unidos? Esse é só um fantasma para os emergentes ou um risco efetivo?


Os Estados Unidos, líder entre os países desenvolvidos, estão com problemas políticos. Assim, todos os avanços conquistados até agora têm efeitos limitados no sentido de dar impulso para a economia mundial, para que seja capaz, realmente, de crescer mais rápido. Já passamos este ano, em que a taxa de crescimento está sendo menor do que a prevista. Pode ser que, agora, tenhamos que reestimar as projeções para o ano que vem. É uma pena, porque quando se aumenta a renda global, as consequências são positivas para todo o mundo. Há a oportunidade de aumentar o investimento em todos os países e ampliar o crescimento. Da mesma forma, quando se tem algo como o que está para acontecer com os Estados Unidos, as consequências são negativas não só para o Brasil, mas para a economia mundial como um todo.

Mas o risco é maior para os emergentes? O Brasil irá sofrer, realmente, uma fuga de capital?


As consequências vão ser reativas. Não estou dizendo que será a saída de capital para os Estados Unidos como consequência. Mas, já vimos como a economia mundial está inter-relacionada. Quando havia a possibilidade de um aumento dos juros nos Estados Unidos, as reservas do país começaram a cair um pouco. Evidentemente, se acontecer algo no mesmo estilo, vai haver implicações, não só para o Brasil, mas para todos os países.

Há algo a fazer?


Podemos rezar. São poucas as alternativas.

Os Estados Unidos já não são o principal parceiro comercial do Brasil. No pré-sal, não houve interesse de empresas norte-americanas. E, tivemos, recentemente, o episódio da espionagem. As relações comerciais entre os dois países mudaram?


As petroleiras norte-americanas não têm participado tanto dos investimentos no Brasil nos últimos cinco anos. Não vejo mudança nas relações comerciais.

É possível que haja exagero nesse negócio de espionagem. Não seria possível conseguir muita informação estratégica da Petrobras (envolvida no caso de espionagem). A informação da Petrobras é pública. Não há tanto segredo sobre o que ela está fazendo. E a presidente Dilma Rousseff, um dia depois de discursar na ONU (Organização das Nações Unidas), nos Estados Unidos, estava buscando a participação das empresas norte-americanas em investimentos no Brasil.

O discurso da presidente Dilma para o mercado internacional, na ONU, contrastou bastante com o do presidente do Uruguai. O Brasil se descolou da América Latina?


A política dentro da América Latina tem que ser revista. Houve um período em que prevalecia a ideia contrária à expansão do livre comércio com os Estados Unidos. Com a entrada da Venezuela, a morte de Hugo Chávez e as dificuldades econômicas, o Mercosul começou a ter outros problemas.

O Mercosul, nos últimos anos, não está sendo um elemento positivo para o Brasil. A relação comercial está muito mais próxima da China, do que dos países parceiros locais. O acordo teve muita importância na década de 90. Não agora. Talvez seja importante aproveitar esse período em que estão sendo repensadas as relações comerciais no mundo para rever o que está acontecendo na América Latina. Tem o Chile, a Colômbia e o Peru entrando no Nafta (acordo de livre comércio com os Estados Unidos), expandindo as exportações. Ao mesmo tempo, o Chile está expandindo os embarques de cobre para a China.

É preciso entender que ter essa relação não implica que o país não seja capaz de ter as relações internacionais muito mais amplas com todo o mundo, ao mesmo tempo. O Chile, por exemplo, mantém relações comerciais com 25 países, inclusive com a Europa. Enquanto o Brasil ainda está negociando com a Europa um acordo iniciado há 20 anos.

A conexão com os emergentes, principalmente com a China, é mais interessante do que com os países vizinhos?


A conexão geográfica pode funcionar até certo ponto. O Brasil quer entrar no Conselho de Segurança da ONU. Evidentemente, o México e a Argentina não ficam muito satisfeitos com isso. Mas, para o Brasil é importante. Os Estados Unidos, daqui a pouco, vão ter uma relação com os asiáticos, com os europeus e o Brasil fica sem essas relações.

Qual a sua avaliação sobre o retrato do Brasil revelado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada recentemente?


A pesquisa revela o que já sabíamos, que há grandes divergências dentro do país. É algo que exige uma geração de políticas consistentes para que o quadro seja alterado. As propostas de aumentar os gastos com educação para 10% do PIB ou de aumentar os gastos com a saúde acabam com o PIB. O que vai restar para o investimento real, necessário para construir o capital real que o país necessita?

É ruim a proposta de destinar parte do recurso do pré-sal para educação e saúde?


É fácil multiplicar as demandas. Difícil é ordenar as prioridades no médio prazo.

Como é o interesse da academia dos Estados Unidos pelo Brasil? Há muitos jovens querendo ser brasilianistas?


É claro que há o interesse hoje em dia. São poucos os que falam português, mas isso não chega a ser um limitador. Eles conseguem falar com os economistas daqui em inglês, há tradução de quase tudo o que sai sobre o país. O Brasil, hoje em dia, tem uma importância maior na OMC (Organização Mundial do Comércio). É óbvio que há um interesse contínuo pelo Brasil.

A imagem brasileira ainda é muito estereotipada?


Esse período já passou, em que todos pensavam que Carmem Miranda era a brasileira mais importante. É outro mundo.

Quem é o brasileiro mais importante na visão norte-americana?


A Dilma Rousseff, acima mesmo do Lula, que tem uma popularidade interna enorme. Ele prefere ficar em casa, em vez de procurar uma posição internacional. De certo ponto, a Dilma também, o interesse dela nas relações internacionais não foi muito grande. Ela está muito mais focada na economia e na necessidade de dar ímpeto novo ao desenvolvimento.

O sr. chegou a morar no Brasil, no período da ditadura...


Sim, de 1967 a 1969. Mas saí depois do ato institucional número 5. Eu cancelei o contrato da Universidade da Califórnia com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Fiz em um momento em que o governo estava cerceando as possibilidades de pensamento.

Analisando o país daquela época e o atual, quais transformações lhe chamam mais atenção?


O que me deixa preocupado hoje é a necessidade de se ter uma política contínua, de uma geração ou mais, para resolver o problema da educação. Esse é um problema muito sério. O Brasil começou atrasado na educação e hoje há uma maior porcentagem de jovens saindo da escola secundária no Peru do que no Brasil. Mas é difícil dizer que esse é o principal desafio do país. A taxa de investimento me preocupa também. Acho que os dois problemas estão ligados. O investimento só vai ser rentável se houver a possibilidade de atrair mão de obra qualificada para trabalhar nas fábricas e produzir exportações para o resto do mundo.
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Brasil Econômico - 07/10/2013

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