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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

"O que atrai investimento é o respeito aos contratos"

Nicola Pamplona e Octávio Costa



Presidente da britânica BG para a América do Sul, Nelson Silva, diz que os temores sobre a economia brasileira não afetam o grupo



"Ciência e tecnologia serão o legado do petróleo no Brasil"
Nos próximos cinco anos, a petroleira inglesa BG planeja investir US$ 15 bilhões na exploração de óleo e gás no Brasil. Principal parceira da Petrobras nos campos de pré-sal já em atividade, a empresa se tornará em 2014 a segunda maior produtora de petróleo do país, atrás apenas da estatal, mas bem à frente das demais concorrentes estrangeiras. O fato de não ter participado dos leilões mais recentes de Libra e de extração de gás não significa um pé no freio.

Em entrevista ao Brasil Econômico, o presidente executivo (CEO) da BG para a América do Sul, Nelson Silva, explicou que seu grupo prefere assumir riscos por conta própria, evitando entrar na disputa por reservas já conhecidas. "A BG assume o risco exploratório - risco calculado, obviamente - para entregar o valor da descoberta, quando há descoberta, ao acionista. Já existindo uma descoberta, a margem é muito pequena". Essa estratégia, segundo ele, não é afetada por prognósticos negativos sobre a economia ou pela ameaça das empresas de classificação de risco de reduzirem o rating do Brasil. "Acima de tudo, o que atrai o investimento é a segurança jurídica e o respeito aos contratos", explica o empresário, acescentando: "O ímpeto do nosso investimento no país é criado pela oportunidade e pelo arcabouço legal e institucional onde a gente opera".

A BG ficou fora da 12ª Rodada de Licitações, realizada na última quinta-feira. Por quê?


Por decisão estratégica. Nossa área de exploração está constantemente olhando várias oportunidades e cada oportunidade é comparada com outras que temos no portfólio. Como a gente não pode estar em todos os lugares, temos que priorizar. E decidimos não participar dessa rodada. Da 11ª Rodada participamos fortemente, adquirimos 10 blocos. Numa próxima rodada, dependendo das condições e do momento, podemos voltar a participar.

Alguma relação com o fato de ser uma rodada voltada para o gás natural?


Não. Tem a ver com a oportunidade em si. São vários elementos, não é só a economicidade. Nesse momento, decidimos não participar. Iremos participar de futuras rodadas no Brasil sempre que as condições da rodada em si, naquele momento, forem atrativas.


E o que a empresa entende como uma rodada atrativa?


São muitos fatores. Começa com a análise da oportunidade pela área de exploração. A gente tem que enxergar uma coisa que seja atrativa do ponto de vista econômico, em função de uma série de premissas que adotamos. É um trabalho de probabilidade, um trabalho de análise sísmica, dos documentos disponíveis. Na 11ª rodada, por exemplo, eram quase 300 blocos e nós fizemos oferta por 12. A gente olha um portfólio desse tamanho e foca em determinada área, neste caso, a Bacia de Barreirinhas. Fomos em 12 blocos e levamos 10. Tivemos sucesso.

Com relação a Libra, o que pesou para a BG ficar de fora?


O fator mais importante foi que o leilão de Libra, por se tratar de uma descoberta, com menos risco exploratório, não está alinhado com nossa estratégia, que é assumir o risco exploratório para entregar o valor da descoberta ao acionista. Já havendo uma descoberta, o ganho de valor é muito pequeno. Mal comparando, é como comprar um bilhete premiado. Você vai pagar o preço do bilhete premiado. Ao passo que, se você comprar antes do sorteio...

A ideia, então, é pagar barato e valorizar depois...


É. Mas o barato pode sair caro se o risco for muito alto. O desafio é achar o equilíbrio entre investimento e risco.

A adoção do regime de partilha teve impacto?


Não. Operamos em vários países com regime de partilha. Mas geralmente em áreas onde há risco exploratório.

De alguma forma a mudança na regulação impactou o leilão?


Para nós, teria pouco impacto. Não saberia dizer para outras empresas, seria especulação. No nosso caso, é desalinhamento com a estratégia, na medida em que já existe uma descoberta. É claro que já estamos investindo muito no Brasil e na Austrália. O leilão pegou a empresa em uma época em que o investimento já é bastante forte. Nosso investimento no Brasil, que já soma US$ 5 bilhões, vai ser em torno de US$ 3 bilhões por ano entre 2013 e 2018. E não vai parar por aí. Então, só nesse período entre 2013 e 2018, vamos investir US$ 15 bilhões.


Os chineses vieram com forte participação em Libra. Eles se tornam um concorrente para empresas como a BG, que fornecem petróleo para a China?


É natural que um grande consumidor de qualquer commodity busque posições na produção, seja em empresas, em minas, campos de petróleo... que ele estrategicamente decida fazer parte de uma mina na África ou de um poço de petróleo no Brasil. A gente vê os chineses no mundo todo, investindo em áreas produtoras de commodities. Não tem um aeroporto da África que a gente não veja chineses. O fato de ter uma participação importante em algum campo não significa redução do apetite por importações. Acho que é um hedge natural: se sou grande importador de alguma coisa, é natural que eu tenha um hedge grande na produção. A melhor maneira de me proteger dos ciclos de preços das commodities é ter alguma produção, isso atenua parte das variações para cima e para baixo.

Fala-se muito em um rearranjo da geopolítica do petróleo por conta da produção crescente de gás nos EUA. Como isso influi nos planos da BG?


Nós estamos adquirindo gás nos EUA para exportação também, vemos os EUA como mais uma fonte de fornecimento.

Mas esse cenário pode ter impacto na viabilidade dos investimentos de longo prazo no Brasil?


Não acho. Primeiro, o fenômeno shale gas é muito circunscrito, muito peculiar aos Estados Unidos. Não basta só ter as reservas. Tem que ter conhecimento geológico e lá se conhece isso há mais de 100 anos. Depois, tem que ter indústria de serviços grande, que tenha alternativas de empresas que possam vir e explorar. E nisso também os Estados Unidos são um país único. A um telefonema pode-se encontrar várias empresas, que têm condições de trazer os equipamentos e começar a perfuração no dia seguinte. O subsolo lá pertence ao fazendeiro. Então ele pode contratar empresa de serviço para perfurar suas terras. Os Estados Unidos têm ainda uma rede de dutos privada enorme, que permite que o produtor possa escolher quanto vai gastar de transporte entre o ponto A e o ponto B. E tem um mercado consumidor enorme, muito próximo das jazidas. Então, são quatro elementos importantes: o conhecimento das reservas; indústria de serviços muito ativa e segmentada; rede de gasodutos de transporte vasta; e o mercado consumidor. São condições muito particulares domercado norte-americano. É claro que todos nós gostaríamos de ter acesso. O mundo todo vê isso acontecendo e fala: "Puxa, vamos replicar". Mas não basta ter apenas reservas para replicar. Então, oshale gas afeta - como de fato já está afetando bastante - a matriz energética norte-americana, os custos nos EUA. Mas não é necessariamente um fenômeno de alcance mundial.

Mas se há uma redução da dependência do principal mercado consumidor, deve ter impacto no preço da commodity.


Deve ter uma mudança no consumo de petróleo nos EUA. E isso tem um impacto, sim. Mas quando olhamos o mundo como um todo, há outros países que estão crescendo, notadamente a China, que já é hoje o maior importador mundial. Então, para fazer essa análise, é preciso se aprofundar muito mais no balanço de oferta e demanda. Posso dizer que nós, como parceiros da Petrobras, não reduzimos nem um pouco nosso ímpeto de investimento.


Existe alguma dificuldade com relação ao conteúdo local. Fala-se muito sobre prazos e qualidade do que se produz no Brasil. Isso é um problema?


Não tem sido. Hoje, temos três plataformas em operação, de 15 contratadas. A primeira, Cidade de Angra dos Reis, foi praticamente toda construída no exterior. Mas a partir da segunda em diante, nós temos feito no Brasil toda a parte de módulos e a integração. Também estamos construindo cascos no Rio Grande do Sul. E tempos, prazos, custos e qualidade estão dentro do que estava projetado inicialmente. Até porque grande parte dos fabricantes e fornecedores para a indústria de construção naval e offshore são fabricantes internacionais instalados no Brasil, que aqui produzem seus equipamentos com o mesmo padrão de qualidade que praticam em qualquer outro lugar. Temos tido um resultado bastante satisfatório.

Mas há algum gargalo à frente?


Sem dúvida. Em 2016, teremos seis plataformas entrando em operação, apenas nos projetos em que estamos envolvidos. Já sabemos que vai ser um ano bastante movimentado para todos nós. Sabemos que isso vai demandar equipamentos, pessoas e investimentos na capacidade para atender a toda essa demanda. A preocupação que existe é que a indústria continue investindo para acompanhar o crescimento da demanda. Para que assim, quando a gente chegar nesse período de investimentos mais acelerados, daqui a dois ou três anos, possamos cumprir os prazos colocados.

Quantas plataformas estão previstas para o ano que vem?


Duas: Cidade de Mangaratiba e Cidade de Ilhabela. Mangaratiba está no Brasfels e Ilhabela será integrada no Brasas. Hoje temos uma produção de 50 mil barris por dia no Brasil, a Statoil (maior produtora privada do país), tem 52 mil. Estamos prestes a conectar mais poços em duas plataformas que já estão em operação e vamos saltar para um volume superior ao que hoje produz a Statoil. Obviamente, não é um campeonato, mas esse movimento mostra que nosso projeto é muito bom, que tem perspectiva de chegar em 2020 com 500 mil barris de petróleo.

Com os blocos da 11ª Rodada, a BG estreia como operadora, e terá que ampliar sua estrutura. Mão de obra é um gargalo?


Sem dúvida alguma. Ser parceiro não operador requer um nível de atividade. Ser operador no Maranhão, que nem é próximo daqui, obviamente vai exigir um redimensionamento de nossa estrutura. Provavelmente vamos chegar à perfuração de poços ao final de 2016, início de 2017, um momento em que as atividades no Brasil estarão mais aceleradas. É um mercado que vai estar superaquecido com todos esses projetos. Então vai ser um desafio grande, tanto em relação a pessoas quanto a equipamentos, logística, sondas, construção das plataformas, navios lançadores de linhas. Tudo isso certamente é uma preocupação.

Há, nesse momento, prognósticos não muito otimistas sobre o Brasil, com risco de perda o grau de investimento. Isso afeta o apetite da empresa?


Não. O que nos preocupa sempre é o respeito aos contratos. Isso é fundamental. A BG chegou ao Brasil em 1994. Em 1999, estávamos participando da segunda rodada de licitações, onde adquirimos os blocos que deram as descobertas de Lula e Sapinhoá. E vocês vão se lembrar que passávamos por uma séria crise econômica. O cenário que falamos aqui não tem nada a ver com o que o Brasil passava. E naquela época a BG veio, participou das rodadas, adquiriu o controle da Comgás e continuou atravessando os altos e baixos da economia brasileira nos últimos anos. Economicamente falando, o Brasil hoje é um país muito mais estável e sólido do que era no final da década de 90. Mas fundamentalmente o que a empresa sempre valorizou e que atrai nosso investimento é o respeito aos contratos. E o Brasil, nesse aspecto, tem tido um comportamento consistente. Os contratos foram sendo respeitados ao longo do tempo, o que permite que a empresa faça a sua parte. A Comgás é um exemplo. Depois que foi passado o controle para a BG, nós quadruplicamos o tamanho da empresa em todos os aspectos. É fundamentalmente um caso de sucesso, no qual todas as partes cumpriram com o acordado. A empresa cumpriu como plano de investimento e o poder concedente cumpriu com a obrigação dele. E devo dizer que, emoutro país muito próximo daqui, onde nós operávamos uma concessão de gás como aqui, tivemos uma experiência diferente (ele fala da argentina Metrogas, cujo controle foi vendido este ano após uma relação conturbada com o governo local). Então, fundamentalmente, essa consistência, essa aderência aos contratos é a sinalização mais importante. É claro que ninguém quer operar em um país em crise, mas esses movimentos econômicos, que a gente considera que são superados ao longo do tempo, acontecem com todo o mundo. Estão acontecendo agora nos Estados Unidos e na Europa. Não é isso que vai definir a estratégia.

Outros analistas dizem que o episódio envolvendo o grupo de Eike Batista teria causado certo desconforto no investidor...


Não no nosso caso. O ímpeto do nosso investimento no Brasil é criado pela oportunidade e pelo arcabouço legal e institucional. É pelo nosso projeto, se ele vale a pena, e qual a segurança jurídica e institucional. E isso é válido para o Brasil, para o Egito, para a Austrália...

A BG está para inaugurar um centro de pesquisa no Brasil...


Sim, será inaugurado no ano que vem. O contrato de concessão tem uma cláusula que determina que 1% do faturamento bruto deve ser investido em pesquisa e desenvolvimento. Meta de disso tem que ser investido em conjunto com instituições de ensino. E outros 50% poderão ser investidos com parceiros industriais. Como nossa produção vai nos colocar em um patamar diferenciado com relação a outros produtores, os fundos para investir emtecnologia vão ser igualmente importantes. Estimamos que, até 2025, vamos investir de US$ 1,5 bi a US$ 2 bi em pesquisa e desenvolvimento. É uma quantidade de recursos substancial, que visa criar novas tecnologias para aumentar o valor dos nossos negócios aqui e a competitividade da própria indústria, que também vai se beneficiar desses programas.

Qual o foco das pesquisas?


O foco é um pouco de tudo. Estamos desenvolvendo parcerias com inúmeras universidades brasileiras. Nosso centro de tecnologia não é um laboratório, é uma coordenação de nossas parcerias. Nós teremos lá cientistas, técnicos da BG, teremos também grupos de universidades ou de parceiros tecnológicos que podem ocupar espaços no prédio enquanto desenvolvem tecnologias em conjunto com projetos patrocinados pela BG. Esse prédio vai abrigar não apenas a BG, mas nossos parceiros. Vai ser um centro de gestão de programas de tecnologia.

O sr. acha que vamos chegar ao ponto de termos um parque tecnológico relevante do ponto de vista global?


Tenho certeza que teremos. Não é um exagero dizer que a obrigação contratual de investimento em pesquisa e desenvolvimento chegará, em algum momento, a US$ 2 bilhões por ano. E isso coloca o Brasil como um dos países que mais recursos terá para investimentos em tecnologia e inovação. É uma oportunidade única. E temos que aproveitar isso ao máximo possível. Temos que nos preparar para isso, desenvolver parcerias de cooperação com as várias universidades brasileiras e dar início a programas importantes com centros de tecnologia que estarão no centro desse processo. Hoje, temos programas em andamento com diversas universidades. Temos parceria importante com a Fapesp, na qual fazemos coinvestimentos na eficiência de gás. Estamos apoiando uma série de startups na área de energia. Com a Coppe temos o Projeto Azul, que realiza estudos de oceanografia da Bacia de Santos. Temos projeto junto com Senai e CNPQ em Salvador, que é o Supercomputador, inaugurado há um mês, com transferência de conhecimento do Imperial College de Londres e da Royal Columbia University do Canadá.

Não é muito dinheiro para focar em apenas um setor. Não seria melhor ter distribuição para outros setores do conhecimento?


As tecnologias desenvolvidas, muitas delas, não são exclusivamente para a indústria do petróleo. O Supercomputador, por exemplo, pode ser usado para outras atividades. Entre as startups que apoiamos, uma faz células de combustível que tem aplicação para carros e motocicletas. Mas, como os recursos vêm da atividade do petróleo, é lógico que a indústria se beneficia. É claro que parte desses fundos vai ser destinada, por exemplo, a melhorar a tecnologia de perfuração de poços, que representam 55% do investimento do pré-sal. A contribuição que nós vemos, além dos benefícios para a indústria de óleo e gás, é também um aumento de competitividade da indústria e do Brasil como um todo. Esses projetos são feitos por pessoas, cientistas, técnicos e doutores que vão estudar determinados temas e conhecimentos. Parte dos recursos será usada para formar cientistas, técnicos, que vão aplicar esse conhecimento em outras áreas. Dentro do programa Ciência sem Fronteiras, estamos alocando US$ 100 milhões para investir em capacitação de doutores e pós-doutorandos, de cientistas, professores e pesquisadores brasileiros, para que desenvolvam expertise ou tenham o conhecimento ampliado para desenvolver esses programas. País sem ciência e tecnologia não tem futuro. Vi recentemente uma apresentação do Pisa (programa internacional de avaliação de estudantes). Tem não sei quantos países, é uma curva que mede a aptidão em exatas dos alunos. A Finlândia está em primeiro lugar. Depois, vem Estados Unidos, Suíça, Suécia, Coréia do Sul, entre outros... O Brasil está lá no final, não dá nem para ver a barra brasileira. Se nós estamos tão atrás, o que tem que ser feito para que a gente avance? Não precisa nem ser para chegar na Finlândia, mas na posição do Chile, da Argentina, que estão muito acima. Estamos apoiando um método que se chama Stem, que busca fazer com que as crianças se interessem mais por ciências, por matemática. É um método lúdico que atrai o interesse. Nós escolhemos escolas no Rio Grande e em Angra, onde construímos plataformas, e está sendo o maior sucesso. Aumenta a assiduidade, os pais querem colocar crianças nessas escolas. Quando escolhemos, não sabíamos que o método era tão de vanguarda. Foi escolhido pelo governo norte-americano como forma de melhorar a competitividade nos Estados Unidos, está sendo usado com grande sucesso até por países que estão na ponta.

A ideia é fomentar o surgimento de profissionais destas áreas?


Isso. Mesmo que a pessoa não vire um cientista, a experiência comprova que o aprendizado de ciências exatas é uma maneira de promover a ascensão social.

Então, ciência e tecnologia podem ser um legado do petróleo?


Exatamente. Podemos dizer que o petróleo pode ser o passaporte para o futuro, um futuro de mais competitividade, de promoção do legado social. Aplaudo de pé a decisão de destinar os recursos dos royalties para a educação. É uma forma de transformar a riqueza mineral em um valor permanente para o país.
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Publicado no Brasil Econômico

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