PÁGINAS

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

BNDES: Crônica de uma Realidade Invisível

Por Paulo Franco



Já se foram mais de 2 décadas, eu era um jovem dinâmico, irrequieto e com um disposição descomunal.  Nada a ver com meus dias de hoje, sedentário e escravo do meu pit-stop.

Já tinha passado pela SEPLAN de São Paulo, Banco do Brasil e CVM.  Decidi, me aventurar na iniciativa privada, após um convite de um empresário, para assessora-lo num processo de mudanças estruturais em sua organização. 

Foram muitos trabalhos, extinções de atividades e negócios, organogramas, lay-outs, redistribuição de funções, aquela baboseira toda que já conhecemos.

Mas o que tava pegando mesmo era a questão econômico-financeira.  O empresário era um daqueles visionários, que confiava mais eu seu feeling, em sua astúcia e sua gana para o trabalho e para ganhar dinheiro, do que em qualquer outra coisa.  Era uma pessoa que colecionava sucessos, mas mantendo-se sempre na corda bamba, na zona de alto risco. 

Certa feita ele me chamou e me disse: 

  • Paulo, não dá mais para empurrar com a barriga, precisamos de no mínimo 50 milhões de reais a custo zero. 
Aquela frase soou para mim com a maior viagem que eu tinha ouvido em toda minha vida.  50 milhões assim do nada e ainda a custo zero.  Só se for em Marte, pensei comigo mesmo.   Ele não tivera chance de cursar uma faculdade, sua vida foi dedicada basicamente a "ganhar dinheiro".  Enquanto que eu  tinha acabado de concluir o mestrado na COPPEAD, um centro de excelência em estudos administração da UFRJ.
  • - 50 milhões é muita grana, nenhuma análise de crédito da empresa sustentaria  esse valor, e mesmo assim as garantias reais que os bancos exigem são também altíssima e a maioria dos bens do grupo já estão comprometidos com outras operações em hipotecas de 1o, 2o. e até em 3o. grau.  Não estou conseguindo visualizar como podemos resolver isso,   respondi. 
  • - No BNDES, Paulo. 
  • - No BNDES? O BNDES não empresta dinheiro assim, sem uma destinação especifica.   O BNDES é um banco de desenvolvimento, ele financia projetos, construção civil, equipamentos, montagem. todos os custos pré-operacionais até o start-up de uma planta, além do custeio do Capital de Giro para garantir o sucesso de um  empreendimento.
  • Bingo! É isso aí Paulo, vamos construir uma nova planta.  Agora é com você. 

  • Sem problemas, vamos então iniciar o projeto de nova planta, mas saiba que o BNDES é rigorosíssimo, o projeto tem que ser muito bom, ser economicamente viável.  Precisamos confeccionar uma proposta (projeto) muito bem elaborada cujas liberações de recursos obedeça um cronograma já previsto no projeto.  Sabemos que há uma fiscalização muito forte tanto na fidedignidade das informações, como na execução do projeto. 
  • Agora com relação aos juros,  nós sabemos que as taxas de juros do BNDES são subsidiadas, mas nunca serão zero.  Qual é a mágica? 
  • Não estou falando em empréstimo Paulo, estou falando em dinheiro com custo zero,  Capital Próprio.  A gente faz um aumento de capital, no valor previsto no projeto e o BNDES subscreve. Custo zero, pronto.   
  • Aliás não será custo zero, Paulo, será custo negativo
  • Impossível, há algum equívoco aí. 
Disse eu, com aquela segurança (e arrogância disfarçada) de quem achava que entendia tudo do assunto. Afinal, meus manuais de finanças eram de autoria dos maiores expoentes de finanças corporativas e de mercado de capitais da época. Nada mais, nada menos do que Merton Miller, Eugene Fama, Franco Modigliani, Harry Markowitz, William Sharpe, entre outros. Além de todos os "papers" recentes publicados no "The Journal of Finance" de autores das 2 universidades mais respeitadas na área: Chicago e Stanford. 

Aprendi com esses "gurus" que na estrutura de financiamento das corporações, o Capital Próprio é a parcela que tem o maior custo e não o menor. E muito menos negativo. É obvio que em situações excepcionais, o custo do Capital Próprio pode ser negativo, mas totalmente indesejável e contra a vontade dos Acionistas. Portanto aquela frase não passava de uma "heresia" diante de tudo o que eu havia aprendido em teoria das finanças.

  • É simples Paulo, a empresa vai lançar as ações a R$ 1,00 e daqui a 3, 4 ou 5 anos eu recompro a R$0,30. 
Fiquei meio desconfortável com aquele desenho, tanto pela questão ética, como da exequibilidde perante o banco, mas elaborei o projeto, o qual foi aprovado pelo BNDES, os recursos foram liberados, parte em financiamento de longo prazo, com carência e taxas padrão do banco e parte foi com subscrição de ações. 

Deixei a empresa, antes de iniciar o processo da recompra, mas estava tudo dentro do planejado, inclusive porque havia um processo inflacionário, que facilitava o processo desenhado.

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