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sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Lula e nós

Por Jean-Luc Mélenchon

Depois de uma década de derrotas das oligarquias e de seus padrinhos americanos, em todos os países, emprega-se uma estratégia revanchista de dura luta contra a esquerda - esteja ela no poder ou em luta retomá-lo, como no Brasil.

AFP/Joel Saget

Observar e acompanhar os acontecimentos na América do Sul é um dever para a compreensão política contemporânea. Foi lá que se reacendeu a chama de uma ação governamental anticapitalista no período pós-soviético. É lá que se enfrentam com mais violência as estratégias de tomada do poder entre oligarquia e povo com uma participação direta e aberta dos EUA. É um tipo de prévia brutal do que pode nos acontecer no velho continente, com adaptações à nossa realidade.


Atualmente, de novo, depois de uma década de derrotas das oligarquias e de seus padrinhos americanos, em todos os países, emprega-se uma estratégia revanchista de dura luta contra a esquerda – esteja ela no poder ou em luta retomá-lo, como no Brasil.

Os métodos mudam muito de um país para o outro. Há diferentes estilos, dependendo das ligações em Washington do embaixador dos Estados Unidos em cada território. A técnica do ‘porrete’ ainda
resiste, como em Honduras, onde o resultado das eleições foi tão grosseiramente manipulado quanto há cinco anos, no México, contra Andres Manuel Lopez Obrador (veja o caso na série ‘El Chapo’, onde ele se chama ‘Labrador’). A oposição é, em seguida, perseguida de todas as maneiras possíveis. Temos visto também métodos de desestabilização violenta e conspiratória, como na Venezuela, com o apoio de todo o aparato global e do partido midiático. A última edição de Paris Match é um exemplo recente dos mais risíveis, tal o grau de mentiras grosseiras e de manipulação. Sem esquecer os gritos raivosos do comandante Saul, antigo chefe da fração vermelha do exército revolucionário do povo na Argentina dos anos 1970, hoje ‘jornalista’ que atende pelo nome de Paulo Paranaguá, militante político que espuma seu ódio ultradireitista nas páginas do Le Monde.

Mas notamos também como a guerra contra nós toma hoje muitas vezes o caminho da instrumentalização dos meios de justiça. Consiste em, para esmagar o partido popular, mandar seus dirigentes para a prisão ou envolvê-los em processos judiciais infames e intermináveis. É nesse ponto que, grosso modo, podemos falar de um golpe de Estado institucional. Foi o caso no Paraguai, contra o presidente em exercício, que o tribunal constitucional pura e simplesmente derrubou. Um cenário comparável havia sido organizado contra Manuel Zelaya em Honduras. E, claro, a destituição de Dilma Rousseff no Brasil foi exemplar desta tática.

Perseguida por corruptos notórios, todos envolvidos em todo tipo de processos judiciais, a presidente foi destituída sem uma palavra de apoio ou um gesto de ajuda de seus novos amigos dos Partidos Socialistas do mundo que, no entanto, a haviam amado tanto. Em Paris, onde ela receou nos encontrar por medo de indispor o gentil François Hollande, fomos os únicos a defender sua honra e a do povo brasileiro que resistia contra este golpe de Estado.

O Brasil não é apenas a grande potência do cone sul. Não tem somente a maior população da região. É um membro-chave dos BRICS, aliança político-econômica informal entre Rússia, China, Índia, e África do Sul. 40% do PIB mundial. Grupo que decidiu negociar entre si em moedas nacionais, sem passar pelo dólar. Uma ameaça mortal para a superpotência.

Na véspera de novas eleições presidenciais, a luta pelo poder nesse país ganha uma dimensão geopolítica essencial. Todas as pesquisas mostram a liderança de Lula, o fundador do Partido dos Trabalhadores, que governou antes de Dilma e abriu o ciclo de vitórias populares desse continente. Derrubá-lo é, portanto, um objetivo vital para a oligarquia e os EUA. Sobrevivente, felizmente, de um câncer, Lula passou a ser então atacado no front judicial, como Dilma. E Lula foi condenado em segunda instância na quarta, 24 de janeiro, pelo tribunal regional de Porto Alegre a 12 anos de prisão. A sentença aumentou a pena de nove anos pronunciada em primeira instância.

O ex-presidente do Brasil e novamente candidato é acusado de corrupção. Porém, tendo em conta a fraqueza e mesmo inexistência de provas apresentadas pela acusação durante o processo, está claro para todos os observadores que se trata de uma manobra para impedi-lo de se tornar presidente novamente. O próprio processo está marcado por diversas irregularidades. Juristas de vários países apontaram suas falhas. As ‘confissões’ de testemunhas ou partes envolvidas foram obtidas em troca de benefícios. A conivência entre os juízes de primeira e segunda instância era aberta. Alguns fatos que a sentença busca demonstrar são até incompatíveis com o próprio objeto da acusação a Lula. Esse ‘processo’ ilustra muito bem este novo método de ‘golpe de Estado institucional’.

Antes de Lula, como dissemos, foi Dilma Rousseff, presidente do Brasil até 2016, que sofreu as consequências do golpe. Ela, como Lula, é membra do Partido dos Trabalhadores (PT). Foi eleita duas vezes, em 2010 e 2014. Foi destituída em 2016 pelo Senado, dominado pela direita reacionária. Os conspiradores usaram o pretexto do escândalo de corrupção que sacodia a sociedade brasileira pela proximidade entre a empresa petrolífera nacional, Petrobrás, e o mundo político. Pretexto totalmente falacioso e que torna o procedimento ilegal, pois Dilma Rousseff não estava implicada no caso. Já aquele que tomou o poder depois do golpe de Estado, Michel Temer, foi acusado, alguns meses depois, de corrupção no mesmo caso! Claro que, no seu caso, o Congresso, que abriga seus amigos, votou majoritariamente para que Temer conservasse sua imunidade e não fosse julgado.

De qualquer maneira, através deste método, desde 2016, a direita revanchista e pró-EUA ocupa o poder no Brasil sem ter sido eleita. Para enfrentar essa situação, Lula decidiu voltar à linha de frente e se candidatar às próximas eleições presidenciais, em outubro. As pesquisas apontam que ele seria eleito. Daí a urgência da oligarquia e dos EUA em impedi-lo de concorrer. Lula, apesar de tudo, vai continuar sua campanha. Foi feito um recurso junto ao Supremo Tribunal Federal. E Lula fará campanha, mesmo na prisão.

O caso de Lula é importante. É uma batalha decisiva para frear a tentativa de retomada geral dos governos da América Latina pelos Estados Unidos. Porque, como apontei, o Brasil não é o único país afetado pela tática do ‘golpe de Estado institucional’.

Em Honduras, a oposição popular foi roubada nas eleições de novembro passado. Durante a contagem de votos, o avanço do candidato Nasralla se confirmava de forma que o tribunal eleitoral declarou ‘um resultado irreversível’. Foi quando uma oportuna pane nos servidores impediu de apurar os últimos 30% dos votos. O poder dominante manou então o exército apreender e escoltar as urnas. Depois de quatro dias de silêncio total sobre a evolução dos resultados, a vitória do presidente de direita, Hernandez, foi declarada, com margem de 0,1% sobre Nasralla. É bom lembrar que o próprio Hernandez foi cria de um golpe de Estado perpetrado em 2009 pelas forças armadas. O Presidente da época, Manuel Zelaya, tentava convocar uma Assembleia constituinte.

No Equador, o sucessor de Rafael Correa, Lenin Moreno, eleito como seu herdeiro e com seu apoio, é acusado de trair e realinhar seu país com os Estados Unidos. Ele governa com a direita, aplicando políticas contra as quais Rafael Correa chegou ao poder com o voto do povo equatoriano. E contra as quais ele mesmo havia sido eleito. Os observadores ficaram consternados por sua reviravolta. Ele se alinhou de forma tão brutal e repentina com os interesses estadunidenses que podemos nos perguntar se ele realmente é realmente livre para tomar decisões.

De novo, as táticas jurídicas são convocadas para paralisar o adversário. Moreno convocou um referendo cujo único objetivo é de impedir Correa de se candidatar contra ele. A batalha se intensifica, e passa bastante pelos tribunais. No último dia 17 de janeiro, o comitê nacional eleitoral recusou o registro oficial do novo partido criado por Correa usando como pretexto supostas ‘faltas regulatórias’. É através do movimento ‘Revolução cidadã’ que o ex-presidente faz uma campanha ativa contra o referendo constitucional convocado por Lenin Moreno no dia 2 de fevereiro. Em uma entrevista recente ao jornal espanhol El Mundo, ele também classificava a situação no Equador como uma tentativa de ‘golpe de Estado’. De fato, antes de voltar-se contra o ex-presidente Rafael Correa, a equipe de Moreno já havia prendido o vice-presidente eleito por ‘corrupção’. Entendemos, portanto, que esse assalto busca uma vitória por nocaute.

A conjunção da reação com recurso às formas institucionais para vestir esses golpes se espalha e se adapta a cada país. Mas a assinatura é a mesma em todos os lugares. Na Argentina, Cristina Kirchner também está na mira do mesmo tipo de acusação, com o mesmo objetivo de impedir sua candidatura. Espero recebê-la em Paris em breve, se a justiça deixá-la sair da Argentina. Porque sei que a onda democrática da década passada não acabou no continente. Longe disso. Alguns observadores superficiais, é verdade, aplicam quadros teóricos eurocêntricos. Para eles, a alternância é tão inevitável como o ciclo da natureza. É o olhar que já aplicaram na Europa, contrariando todos os fatos que os desmentem. Ele lhes torna incapazes de entender o papel e a dinâmica específica do dégagisme (uma espécie de Fora todos). Por exemplo, a Argentina é pátria desse ‘dégagisme’ político que deixa esse mundo da globalização liberal sem fôlego.

A técnica do golpe de Estado institucional é o complemento indispensável do golpe de Estado social que se vê em todos os países onde existe um estado social, mesmo que pouco desenvolvido. Na França, vamos observar esse fenômeno em sua versão ‘soft’, mas ainda sim bem clara. O poder executivo busca reforçar seu poder de todas as formas. A reforma institucional anunciada prevê, assim, um enfraquecimento do poder legislativo em benefício do executivo. Esse endurecimento será vendido como um arejamento das instituições políticas. Na verdade, é nada mais que uma barreira a mais para conter a vontade popular em um sistema de representação cada vez mais amarrado à primazia presidencial. É o que se pode chamar de ‘ditabranda’. Termo vindo da América do Sul, onde se opõe a ‘ditadura’ à ‘ditamole’. Entre as duas, cruza-se a fronteira mais rápido que entre ditadura e democracia. Como acabamos de ver em Honduras.
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FONTE: Carta Maior

Tradução de Clarisse Meireles
Créditos da foto: AFP/Joel Saget

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