Diretor de campanha da ONU contra perda de alimentos afirma que 33% do que é produzido é jogado fora. Ele aponta "todos" como culpados e cobra mais iniciativas, como as do governo brasileiro, para enfrentar o problema.
Por ano, o mundo joga fora 1,3 bilhão de toneladas de alimento. Países ricos e pobres desperdiçam comida na mesma proporção – cerca de um terço do que é produzido – mas por motivos diferentes, como alerta Robert van Otterdijk, do Programa das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Em entrevista por e-mail à DW, Van Otterijk explica que, nas nações ricas, o que ocorre é um descarte de alimentos, enquanto nos países em desenvolvimento ocorre um desperdício por conta de falhas na infraestrutura. E nesse sentido, afirma, o Brasil é um dos líderes no combate ao problema.
"Para cada alimento que vai para o lixo, também são desperdiçadas terra, água, fertilizante, energia e trabalho usado na produção", diz Otterijk, um dos coordenadores da campanha Pensar, Comer, Conservar: Diga não ao desperdício. O tema foi o escolhido pelas Nações Unidas para o dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado nesta quarta-feira (05/06).
Deustsche Welle: Qual a diferença entre o desperdício e a perda de alimentos?
Robert van Otterdijk: Perda de alimento e desperdício referem-se à redução quantitativa ou qualitativa do alimento disponível para consumo humano por meio da cadeia de abastecimento agrícola. Essa redução ainda é considerada perda ou desperdício mesmo que essa sobra seja redirecionada para alimentação de animais ou vire adubo. Qualquer produto agrícola destinado ao consumo humano, mas que tenha outro fim, é considerado perda ou desperdício.
Perdas quantitativas referem-se à queda da produção agrícola, por exemplo, 7 toneladas de batata em vez de 10. Já a perda qualitativa tem a ver com alteração das propriedades físicas dos produtos agrícola, como queda de valor nutricional, da cor e da consistência.
A perda de alimento está relacionada à diminuição desintencional da produção agrícola. É normalmente resultado da ineficiência da cadeia alimentícia, da colheita feita de forma imprópria, do armazenamento inadequado, falta de infraestrutura e falta de acesso aos mercados. Tudo isso acontece tipicamente durante a produção agrícola e nos estágios de processamento da cadeia.
O descarte não intencional de produtos agrícolas tem várias causas. Um produtor pode achar que os preços estão muito baixos para cobrir os custos da colheita e do transporte e, por isso, deixar que a produção estrague no campo. Um supermercado pode descartar batatas velhas porque os clientes compram somente as que acabaram de chegar, mesmo que as mais antigas estejam boas para o consumo.
Perda de alimento, portanto, refere-se à remoção acidental de comida dessa grande cadeia, tipicamente conduzida por produtores rurais ou por aqueles que processam o alimento nos primeiros estágios dessa cadeia. Desperdício de alimento refere-se ao descarte deliberado de comida da cadeia alimentícia, conduzido tipicamente por varejistas e consumidores no fim da cadeia.
As estatísticas apontam que 1,3 bilhão de toneladas de alimento são desperdiçadas por ano. De onde vem esses números? Como é possível fazer um cálculo desse?
O estudo da FAO sobre perda e desperdício de alimento no mundo foi um metaestudo baseado em dados disponíveis sobre esses temas. Isso significa que estudos existentes foram analisados, e as perdas em diferentes regiões e para diferentes produtos foram calculadas. O dado aponta que o desperdício mundial de alimento é de um terço, aproximadamente 33% é uma perda total média.
No entanto, a maioria desses estudos foi feita com metodologias diferentes e suas conclusões podem, portanto, variar. Em algumas áreas e para alguns grupos de produtos não existiam estudos disponíveis. Nesses caso, os números foram calculados com base em informações similares quanto à geografria, área sociopolítica e produtos com qualidades similares.
Uma das principais tarefas da iniciativa Save Food (Pensar, Comer, Conservar) é agora analisar cadeias específicas em países específicos – como a cadeia do milho no Quênia e a cadeia do feijão na Índia – e ver se os resultados conferem com as estimativas. Nós também trabalhamos com parceiros, instituições de pesquisas e governos para desenvolver uma metodologia unificada. Poderemos, no futuro, comparar esses estudos mais diretamente entre os diferentes setores e fronteiras geográficas.
O mundo está consciente desse problema ou a FAO está buscando provocar uma reação?
A consciência mundial está aumentando gradativamente. A FAO e outros parceiros trabalham há 40 anos nas perdas pós-colheita. No início, não se notava a enorme escala do desperdício e da perda porque as intervenções eram localizadas. Foi somente após o estudo global, quando essas questões foram colocadas em uma escala mundial, que se percebeu o tamanho do problema. Ou, falando de outra maneira, o potencial que a redução do desperdício na produção tem para a produção mundial.
Vocês têm dados sobre o desperdício no Brasil?
O Brasil é um dos países líderes quando se trata de combater a perda e o desperdício de alimentos. O projeto Fome Zero é famoso em todo o mundo e foi fundado pelo atual diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva. O programa tem como objetivo garantir a segurança alimentar e nutricional do Brasil.
Com base na constatação de que uma única intervenção não poderia resolver o problema, 30 programas complementares foram criados, incluindo novas leis, subsídios de comida, apoio à agricultura familiar, alimentação escolar, aulas de culinária e alimentação saudável, melhoria dos mecanismos do mercado de alimentos e redução de desperdício. Juntas, essas iniciativas reduziram a desnutrição crônica no Brasil em 30%, com melhorias nas condições de vida e aumento da geração de renda em muitas das áreas mais pobres do país.
O Ministério da Agricultura e o Serviço Social da Indústria (SESI) continuam com o programa de educação alimentar lançado em 2008 e estão ajudando outros países a aprenderem com essas experiências. Estudos separados sobre as perdas de alimentos e resíduos no Brasil serão lançados. O país também trabalha na iniciativa Diga não ao desperdício e no desenvolvimento da metodologia para que tenhamos resultados comparáveis, como mencionado anteriormente.
Quem são os culpados por tanto desperdício?
A resposta mais rápida é: todos nós. Perdas e desperdício ocorrem praticamente em todas as partes da cadeia da indústria alimentícia e mudanças precisam ser implementadas em todos os lugares, desde a produção, malha rodoviária, armazenamento, mercados, distribuição, venda no varejo e comportamento do consumidor. Alterações nas leis e regulamentações precisam acontecer para facilitar isso.
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