Por PAULO FRANCO
Os advogados Luis Greco e Alaor Leite, doutor e doutorando, respectivamente, da Universidade de Munique, na Alemanha, são ambos, discipulos de Claus Roxin, jurista especialista em Direito Penal e criador da "Teoria do Dominio do Fato".
Os dois juristas brasileiros, escreveram um artigo, sucinto, mas objetivo e extremamente contundente, publicado na Folha de SP, neste sábado, dia 19/10/ 2013, colocando o julgamento da AP470 (Mensalão do PT), sob suspeita, principalmente com relação à condenação do reu José Dirceu.
Lamentávelmente, salvo raras exceções, a comunidade de juristas, se abstiveram de se manifestar tanto quanto à questão da aplicabilidade da teoria do domínio do fato como na questão das condenações sem a existência de provas contundentes como estabelece o devido processo penal.
Dois fatos relevantes ocorrem que devem ser relembrados, (i) a advertência feita por Claus Roxin sobre o mau uso de sua "Teoria do Domínio do Fato", em uma palestra por ocasião de sua visita ao Brasil em outubro de 2012. Ressaltou que a "Teoria do Domínio do Fato" não prescinde das provas conforme o devido processo penal, bem como sustentou que um juíz jamais deveria ficar ao lado da opinião pública, a propósito da pressão por condenação e aplicação de penas severas. E (ii) o alerta do Ministro Lewandowski, aos demais ministros do plenário, primeiro da total ausência de provas, admitidas até pelo próprio Procurador Geral da República, Roberto Gurgel (33:30m no vídeo) e também da distorção conceitual e consequente indevida aplicação da Teoria do Domínio do Fato, de Claus Roxin (34:40m no vídeo).
"...Não há porque, nós não estamos em uma situação excepcional, nós não estamos em Guerra, felizmente. Então Senhor Presidente, eu termino dizendo que não há provas e que essa teoria do domínio do fato nem mesmo se chamássemos Roxin poderia ser aplicada ao caso presente...."
Fatos e Mitos Sobre a Teoria do Domínio do Fato
Por Luis Greco e Alaor Leite para Folha de SP"A teoria não condena quem, sem ela, seria absolvido. Não dispensa a prova da culpa nem autoriza que se condene com base em presunção."
Luis Greco e Alaor Leite |
Desde o julgamento do mensalão, não há quem não tenha ouvido falar na teoria do domínio do fato. Muito do que se diz, contudo, não é verdadeiro.
Nem os seus adeptos, como alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, nem os que a criticam, como mais recentemente o jurista Ives Gandra da Silva Martins, parecem dominar o domínio do fato.
Talvez porque falte o óbvio: ler a fonte, em especial os escritos do maior arquiteto da teoria, o professor alemão Claus Roxin. Mesmo os técnicos tropeçam em mal-entendidos, de modo que o público merece alguns esclarecimentos.
Primeiro, um fato. Simplificando (vide nosso estudo "O que é e o que não é a teoria do domínio do fato", RT 933, 2013, p. 61-92), a teoria do domínio do fato define quem é o autor de um crime, em contraposição ao mero partícipe. O autor responde por fato próprio, sua responsabilidade é originária. Já o partícipe responde por concorrer em fato alheio --sua responsabilidade é, nesse sentido, derivada ou acessória.
O Código Penal brasileiro (art. 29 caput), embora possa ser compatibilizado com a teoria do domínio do fato, inclina-se para uma teoria que nem sequer distingue autor de partícipe: todos que concorrem para o crime são, simplesmente, autores.
A teoria tradicional diz que fatos alheios também são próprios; emprestar a arma é matar.
Para o domínio do fato, porém, o autor, além de concorrer para o fato, tem de dominá-lo; quem concorre, sem dominar, nunca é autor. Matar é atirar; emprestar a arma é participar no ato alheio de matar.
Na prática: a teoria do domínio do fato não condena quem, sem ela, seria absolvido; ela não facilita, e sim dificulta condenações. Sempre que for possível condenar alguém com a teoria do domínio do fato, será possível condenar sem ela.
Passemos aos mitos. A teoria não serve para responsabilizar um sujeito apenas pela posição que ele ocupa. No direito penal, só se responde por ação ou por omissão, nunca por mera posição.
O dono da padaria, só pelo fato de sê-lo, não responde pelo estupro cometido pelo funcionário; ele não domina esse fato --noutras palavras, ele não estupra, só por ser dono da padaria.
Parece, contudo, que, em alguns dos votos de ministros do STF, o termo "domínio do fato" foi usado no sentido de uma responsabilidade pela posição. Isso é errôneo: o chefe deve ser punido, não pela posição de chefe, mas pela ação de comandar ou pela omissão de impedir; e essa punição pode ocorrer tanto por fato próprio, isto é, como autor, quanto por contribuição em fato alheio, como partícipe.
A teoria do domínio do fato não é teoria processual: ela nem dispensa a prova da culpa, nem autoriza que se condene com base em presunção --ao contrário do que se lê no voto da ministra Rosa Weber, que fala em uma "presunção relativa de autoria dos dirigentes", e na entrevista de Ives Gandra.
Sem provas, ou em dúvida, absolve-se o acusado, com ou sem teoria do domínio do fato.
A teoria tampouco tem como protótipos situações de exceção, como uma ordem de Hitler. Isso é apenas uma parte da teoria, talvez a mais famosa, certamente a mais controvertida, mas não a mais importante.
Um derradeiro fato. A teoria do domínio do fato não pode ter sido a responsável pela condenação deste ou daquele réu. Se foi aplicada corretamente, ela terá punido menos, e não mais do que com base na leitura tradicional de nosso Código Penal. Se foi aplicada incorretamente, as condenações não se fundaram nela, mas em teses que lhe usurparam o nome.
Não se deve temer a teoria, corretamente compreendida e aplicada, e sim aquilo que, na melhor das hipóteses, é diletantismo e, na pior, verdadeiro embuste.
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LUIS GRECO, 35, e ALAOR LEITE, 26, doutor e doutorando, respectivamente, em direito pela Universidade de Munique (Alemanha), sob orientação de Claus Roxin, traduziram várias de suas obras para o português.
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