Depois de um ano decepcionante para a economia brasileira –em 2012 o PIB mal cresceu alguns décimos acima do 1%, enquanto a inflação foi de 5,84%–, também não parece que neste ano a sétima economia do mundo enfrentar uma situação melhor.
Caso sejam liberados os preços dos combustíveis, do transporte e da eletricidade, que até agora estiveram represados, a inflação poderia atingir neste ano o 6%, com um crescimento que poucos acreditam que irá atingir o 4% fixado pelo governo de Dilma Rousseff para poder enfrentar em melhores condições as eleições gerais do próximo ano.
No princípio de 2012, a Bolsa de São Paulo antecipou que cerca de 40 companhias sairiam à bolsa ao longo do ano. Apenas três fizeram isso. Segundo a pesquisa Doing Business do Banco Mundial, o Brasil figura no posto 130 no ranking mundial, enquanto a proporção do investimento estrangeiro direto em relação ao PIB foi de 1,9% em 2009 e de 2,9% em 2012, frente ao 7% do Chile entre 2008 e 2011.
Contudo, esses números não embaçam as inquestionáveis fortalezas do gigante sul-americano. O motor da economia brasileira é o consumo, que representa 60% do PIB, frente ao 35% na China. O Brasil está hoje entre os quatro maiores consumidores mundiais de uma longa série de produtos que vão desde as guloseimas aos licores. Neste ano, superará o Japão como o maior mercado do mundo de cosméticos, com 43 bilhões de dólares anuais, segundo Euromonitor. A ascensão de 35 milhões de pessoas à classe média na década passada criou condições de pleno emprego (4,6% de desemprego) nas seis principais cidades do país.
O ‘milagre agrário’ brasileiro
Porém, o desenvolvimento agrícola brasileiro é o que tem maiores envolvimentos globais. A mudança climática, a crescente escassez de água potável e a diminuição de terrenos cultiváveis em muitos países estenderam nos últimos anos um verdadeiro ‘agro-pessimismo’.
Dado que o poder aquisitivo nos países em desenvolvimento aumentará a um ritmo maior do que o crescimento demográfico –e que se verá acompanhado de um maior consumo de proteínas de origem animal–, para 2050 a produção de grãos terá que aumentar 50% e a de carne deverá ser duplicada para poder satisfazer a demanda global.
A ONU advertiu que em 2025 os dois terços da população mundial poderiam viver em condições de “estresse hídrico”. Dos 210 países do planeta, 190 já têm escassez de água e apenas em 10 o recurso é abundante. Segundo o World Water Resources Group, um terço da população mundial viverá, em meados do século, perto de bacias hidrológicas com um déficit de fornecimento para consumo humano de 50%.
Poucos países estão em condições de cobrir essas carências. Um deles é o Brasil. Segundo a FAO, o país tem um potencial de terras cultiváveis de 400 milhões de hectares. Hoje, apenas cultiva 50 milhões, que cobrem 28% de seu território. Essa capacidade agrária inutilizada é o dobro da dos EUA e da Rússia juntos, os dois países que seguem na lista.
Segundo diversas estimativas, apenas 40% do aumento da produção mundial de cereais se deve a melhoras na produtividade, enquanto 60% é atribuído à ampliação da fronteira agrícola. Nos anos sessenta, 25% provinha de mais terras cultiváveis e 75% de aumentos na produtividade.
Norman Burlaug, o pai da ‘revolução verde’ dos anos sessenta, antecipou que o único modo de salvar os ecossistemas mais vulneráveis do planeta era produzir mais alimentos em lugares como as grandes planícies sul-americanas. De fato, a América Latina e o Caribe (ALC) é uma das poucas regiões mundiais que não figura no mapa do ‘estresse hídrico’. ALC tem a maior disponibilidade média de água doce do mundo: quase 24.400 metros cúbicos por pessoa e 31% do total das reservas globais.
O Aquífero Guarani, por exemplo, que alberga mais de 40.000 km3 de água, se estende ao longo de 1,2 milhões de quilômetros quadrados abaixo da Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil. O volume explorado atualmente oscila entre 40 e 80 km3 anuais.
Por sua vez, a ONU estima que o Brasil dispõe de 8 bilhões de km3 de água renovável ao ano, mais do que toda a Ásia junta, que tem 4 bilhões de habitantes, frente aos 190 milhões do Brasil. Ademais, o Brasil recebe mais água da chuva do que toda a África.
A agricultura da ALC produz três vezes mais alimentos do que consome, o que explica a capacidade excedente que se dedica aos biocombustíveis. Como Brasil pode adaptar a soja –nativa de zonas temperadas da Ásia– a condições climáticas tropicais, o agro brasileiro está alimentando a China, o país mais povoado do mundo, em momentos em que aumenta o voraz apetite do dragão.
O extraordinário é que há 30 anos, o Brasil era um importador líquido de alimentos. No entanto, entre 1996 e 2006, o valor total de suas colheitas passou de 23 bilhões de dólares para 108 bilhões: um aumento de 365%. Em apenas uma década, o país multiplicou por 10 suas exportações de carne, com o que superou a Austrália como primeiro exportador mundial e o é também de cana de açúcar, suco de laranja, café, etanol e carne de aves granjeiras.
Desde 1990, a produção de soja brasileira passou de 15 para 60 milhões de toneladas anuais, com o que hoje é o segundo maior exportador depois dos EUA. E ainda que sua produção represente 25% do total mundial, só utiliza para isso 6% de seus terrenos cultiváveis.
Entre os seis maiores exportadores de grãos (os outro são EUA, Canadá, Austrália, Argentina e a União Européia) o Brasil é o único que é tropical. A agroindústria representa hoje 40% das exportações do país e emprega 37% de sua força trabalhista. Não é menos importante que o Brasil tenha conseguido essa façanha sem subsidiar os seus agricultores. Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), as ajudas ao setor apenas representaram o 5,7% de seus rendimentos, frente ao 12% nos EUA e o 29% na UE.
Tecnologia agrária
A grande expansão da fronteira agrícola brasileira teve como cenário o ‘cerrado’, a grande savana tropical dos estados de Mato Grosso e Goiás. Mas o sucesso brasileiro explica-se mais pelas I+D, contribuições da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), uma companhia pública criada em 1973 para aumentar a produtividade do campo no meio de uma crise energética que tornou os subsídios agrícolas insustentáveis.
Hoje, a Embrapa é a instituição de pesquisa tropical mais importante do mundo, cobrindo campos como a biotecnologia, a pesquisa genética e a nanotecnologia. Quando a Embrapa começou a funcionar, o ‘cerrado’ era considerado praticamente inutilizável para a agricultura pela extrema acidez de seus solos e sua escassez de nutrientes.
Tudo começou a mudar quando, nos anos noventa, seus cientistas conseguiram alcalinizar seus solos ‘semeando’ cinco toneladas de cal por hectare. Ao mesmo tempo, a Embrapa cultivou bactérias para elevar o nível de captação de nitratos dos cultivos, de maneira que precisassem de menos fertilizantes, e adaptou ao meio uma variedade de pasto africano para alimentar o gado. A transformação genética da soja permitiu obter duas colheitas ao ano. Como resultado, hoje o ‘cerrado’ é responsável por 70% da produção agrícola do país.
O lado escuro do modelo
Segundo a Fundação Getúlio Vargas, a metade das cinco milhões de explorações agrícolas do país ganham menos de 3.000 dólares anuais e supõem apenas 7% da produção agrícola total. As 1,6 milhões de grandes explorações, ao contrário, representam 76% da produção, o que desmente que o futuro da agricultura mundial vá depender de granjas pequenas dedicados a cultivos orgânicos.
Mas esse modelo de desenvolvimento tem um lado escuro. E numerosos problemas. A Confederação Agrícola Nacional (CAN), que representa os cinco milhões de agricultores e detentores de terra, é frequentemente denunciada por organizações ambientais e movimentos como o dos “Sem Terra” por sua capacidade para influir sobre a legislação que afeta seus interesses. A presidenta da CAN, a senadora Katia Abreu, lidera, ademais, o lobby agrário no Congresso federal, conhecido como o ‘bloco Ruralista’, que inclui quase a metade dos 513 deputados da câmara baixa.
A presidenta da CAN, a senadora Katia Abreu, lidera, ademais,
o lobby agrário no Congresso federal
No livro “Partido da terra, como os políticos conquistam o território brasileiro”, o jornalista Alceu Castilho descreve como desde prefeitos de povos pequenos a senadores conseguiram ficar com as melhores terras do país. Blairo Maggi, por exemplo, uma das maiores fortunas do Brasil, é o maior produtor mundial de soja, faturando 2,4 bilhões de dólares anuais em seus 200.000 hectares no ‘cerrado’ mato-grossense, e que foi durante dois períodos governador do Mato Grosso.
Desde 2004, quando foi eleito governador, a taxa de desmatamento do estado se duplicou. A ONG ecologistas denunciam que a soja consome rapidamente os nutrientes do solo, para isso são necessárias quantidades enormes de fertilizantes, pesticidas e herbicidas que depois contaminam os rios.
Nos dois últimos anos, 10% das florestas do estado foram queimadas, muitas vezes em incêndios provocados para ampliar a fronteira agrícola. “À medida que sobe o preço da soja”, assegura Sandro Menezes, biólogo da filial brasileira da ONG Conservation International, “as florestas são derrubados”. Não é estranho: a taxa de desmatamento continua muito perto dos índices de matérias primas agrícolas da Chicago Board of Trade.
Segundo Castilho, sua enorme influência permite aos detentores das terras evadir a justiça por crimes que vão desde o roubo de terras de pequenos proprietários ao uso de mão de obra escrava em suas explorações agrícolas.
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