Daniela Chiaretti, do Valor Econômico
"Brasil tem de reconhecer a terra índigena, diz especialista" é o título da entrevista concedida pelo sócio fundador do ISA Márcio Santilli a repórter Daniela Chiaretti sobre o processo de demarcações de Terras Indígenas. O texto foi publicado no jornal Valor Econômico de hoje (21/2/2014)
Brasil tem de reconhecer a terra índigena, diz especialista
O filósofo Márcio Santilli, 58 anos, 30 deles trabalhando com a questão indígena, diz que o Brasil não suporta mais as pendências na demarcação das terras indígenas.
"Deixar de demarcar é represar o conflito e deixar que exploda com mais violência depois", diz. Ele critica a gestão Dilma Rousseff: "É um governo permeável à pressão ruralista, o que desequilibra a correlação de forças. Mais permeável do que foi o governo militar."
Sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), ONG reconhecida pelo trabalho com povos indígenas, ele rebate o dito ruralista de que no Brasil "há muita terra para pouco índio", com um raciocínio que termina em "no Brasil há muita terra para pouco fazendeiro".
Ex-presidente da Funai, Santilli, diz que o órgão sempre foi "a Geni da República" e que não há como fazer um trabalho com tanta demanda sem recursos, técnicos e mecanismos de indenização.
O indigenista explica por que o Congresso "dará um tiro no pé" se trouxer para si o processo de demarcação e critica a nova proposta do Ministério da Justiça. Embora veja o caso dos guaranis-kaiowas no Mato Grosso do Sul como o "exemplo mais gritante de omissão histórica do Estado", diz que há solução. Veja aqui trechos da entrevista que concedeu ao Valor:
Valor: Os ruralistas dizem que há "muita terra para pouco índio". Que são 890 mil e ocupam 13% do território nacional. O que acha disso?
Márcio Santilli: É importante entender o seguinte: 98,5% das terras indígenas ficam na Amazônia Legal brasileira, onde vive perto de 60% da população indígena. Os outros 40% estão confinados em 1,5% da extensão total das terras indígenas. Enquanto o processo de demarcação na Amazônia Legal avançou, no restante do país está historicamente atrasado. E é bem difícil fazer o reconhecimento das terras ali dada a densidade de ocupação do território. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, a população indígena é expressiva, perto de 80 mil pessoas. Vivem em terras menores ao que o governo destina para assentamentos de reforma agrária. Simplesmente não têm condições de sobreviver.
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Valor: Na Amazônia, a extensão das terras indígenas é grande.
Santilli: Não é característica específica dos índios. Nesta região, as unidades de conservação têm uma maior extensão, assim como propriedades privadas, lotes de assentamento e até municípios. Tudo é gigante na Amazônia. Nos municípios, quase a totalidade da população rural é índio. Isso fez com que ocorresse o reconhecimento de terras indígenas em extensão significativa na região. Não há outras populações ocupando o território e não houve grande questionamento. Ainda há pendências na Amazônia, mas em grande medida as questões foram resolvidas.