quinta-feira, 28 de setembro de 2017

12 fantásticos artistas que seriam condenados pelo moralismo do MBL

Por Jorge Caronte
Tudo o que você precisa saber sobre a polêmica do Queermuseu mais uma galeria de obras "degeneradas" de grandes artistas que provocaria escândalo entre os reacionários brasileiros.

Iniciada no dia 16 agosto, em Porto Alegre (RS), e promovida pelo Santander Cultural, a “Queermuseu — Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” era para ser mais uma exposição de temática LGBTT, como tantas outras que ocorrem em diversas partes do mundo, como a “Queer British Art 1861–1967” no Tate, o museu nacional de arte moderna do Reino Unido em Londres, ou as que ocorrem no Leslie-Lohman, museu LGBTT em Nova Iorque.

Tratava-se da primeira exposição de temática Queer no Brasil, na qual o público poderia conferir obras de coleções públicas e particulares que abordam questões de diversidade de gênero no contexto de uma sociedade hierárquica e heteronormativa como a brasileira, compreendendo um período que vai desde o século XX até os dias atuais, mas dispostas em ordem acrônica para possibilitar o diálogo entre obras de períodos diferentes. A mostra é composta por variadas formas de expressão artística como pintura,

domingo, 24 de setembro de 2017

"Desigualdade no Brasil é escolha política", diz economista irlandês

Por Mariana Carneiro Flávia Lima

"A desigualdade no Brasil hoje,  é semelhante à da França do final do século 19."



As medidas de ajuste fiscal do governo do presidente Michel Temer tendem a elevar ainda mais a desigualdade no Brasil, diz o economista irlandês Marc Morgan Milá, 26.

Em entrevista à Folha na última segunda-feira (18), ele afirma que a contenção dos gastos públicos afetará especialmente os mais pobres.

As novas conclusões do economista estão provocando um debate sobre a realidade dos últimos 15 anos: a desigualdade no Brasil não caiu como se pensava até então.

Para ele, os sucessivos governantes brasileiros optaram por não enfrentar o problema, evitando políticas que poderiam limitar a renda do topo da pirâmide, como um sistema tributário mais justo.

“A história recente do Brasil nos leva a dizer que houve uma escolha política pela desigualdade.”

Morgan está no Brasil, onde participa de estudos com economistas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). O grupo pretende lançar, ainda neste ano, uma série da desigualdade brasileira com início em 1926.

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Folha – Os críticos dos governos do PT partem da sua pesquisa para questionar a leitura de que a desigualdade caiu. O que aconteceu de fato?

Marc Morgan Milá – Análise mais minuciosa mostra que, na verdade, não é que a desigualdade não caiu entre 2001 e 2015, ela não caiu tanto quanto se imaginava. Meu estudo mostra que a queda da desigualdade é bem menor.

A interpretação anterior estava errada?

É apenas equivocada, não representa a sociedade corretamente. Houve declínio da desigualdade de renda no mercado de trabalho, como mostra a Pnad [pesquisa por domicílio realizada pelo IBGE]. Mas os mais ricos não respondem a pesquisa ou escondem fontes de riqueza. Então, não há representação acurada do topo.

Quem são os ricos no Brasil?

O grupo dos 1% mais ricos tem cerca de 1,4 milhão de pessoas, com renda anual a partir de R$ 287 mil. O 0,1% mais rico reúne 140 mil pessoas com renda mínima de R$ 1,4 milhão. Enquanto isso, a renda média anual de toda a população é de R$ 35 mil. É uma discrepância muito grande. Esse é o ponto importante no caso brasileiro: a concentração do capital é muito alta.

O Brasil é um caso extremo?

O Brasil é um animal diferente. É o país mais desigual do mundo, com exceção do Oriente Médio e, talvez, da África do Sul. Um ponto importante é que todos os governos brasileiros das últimas décadas têm responsabilidade por isso.

Em que sentido?

A história recente indica que houve uma escolha política pela desigualdade e dois fatores ilustram isso: a ausência de uma reforma agrária e um sistema que tributa mais os pobres. Para nós, estrangeiros, impressiona que alíquotas de impostos sobre herança sejam de 2% a 4%. Em outros países chega a 30%. A tributação de fortunas fica em torno de 5%. Enquanto isso, os mais pobres pagam ao menos 30% de sua renda via impostos indiretos sobre luz e alimentação.

Que papel têm os programas de transferência de renda na redução da desigualdade?

As transferências chegam aos mais pobres, mas o sistema tributário injusto faz com que o ganho líquido se torne menor. Como esses programas representam cerca de 1,5% da renda nacional, o nível de redistribuição que se pode obter com eles é limitado. Fora que as transferências são financiadas por impostos que incidem sobre o consumo. E como o consumo pesa mais no orçamento dos mais pobres, é possível dizer que os mais pobres estão pagando por parte das transferência que recebem.

O Brasil falhou ao não resolver o problema durante o boom de commodities?

A alta das commodities poderia ter sido usada para melhorar o quadro, mas não é preciso um boom de commodities para reorganizar o sistema tributário. Tributação mais justa é muito mais importante dos que as transferências de renda e algo que todos os governos brasileiros nas últimas décadas falharam em fazer.

O ajuste fiscal pode impactar a desigualdade?

O congelamento das despesas públicas por 20 anos pode ter impacto negativo sobre a desigualdade porque são os mais pobres que dependem mais dessas despesas. Também pesam na conta a legislação sobre terras e a política fiscal, seja na criação de uma tributação mais justa, seja na retirada de renúncias que beneficiam os mais ricos.

Quais renúncias?

A principal é a taxação de lucros e dividendos. O Brasil é um dos únicos que não taxam dividendos distribuídos à pessoa física. Obviamente, isso favorece as pessoas de renda mais elevada.

Por que é tão difícil reduzir a desigualdade no Brasil?

É uma escolha política. O conflito distributivo vem de longa data, o país foi o último do Ocidente a abolir a escravidão. Outra explicação para o nível alto de desigualdade está na natureza do Estado: grande historicamente. Isso não é necessariamente ruim, mas sim a forma como ele se organiza e transfere recursos. Acredito que tenha relação com a estrutura herdada de regimes passados.

Que tipo de estrutura?

Por exemplo, as evidências do período da ditadura são de que a desigualdade era maior, em especial no fim do regime militar. O crescimento econômico podia ser maior, mas a desigualdade era também elevada. Não há evidências de que o país esteja voltando àqueles níveis, mas é uma possibilidade.

Melhor combater a pobreza em vez da desigualdade?

Pobreza e desigualdade estão relacionadas. Há políticas que podem atacar ambas, não devemos restringir o foco em apenas uma delas.

Nos últimos 15 anos, a pobreza foi reduzida, é inquestionável. Ao mesmo tempo, a desigualdade melhorou um pouco porque muitas pessoas pobres ascenderam.

Mas os pobres ainda são muito pobres e a diferença de renda entre os dois extremos é muito elevada. Ao se excluir os 20% mais ricos, a renda dos 80% restantes no Brasil é equivalente à dos 20% mais pobres na França. A desigualdade é semelhante à da França do final do século 19.

Daí, é possível ver a jornada que se tem pela frente. Talvez não sejam necessários cem anos, afinal Brasília foi construída em cinco.

Não fizemos novamente o bolo crescer sem distribuí-lo?

Não devemos enxergar crescimento e desigualdade como opostos, como se para ser mais igualitário fosse necessário reduzir o crescimento. A economia acelera quando as pessoas que estão na base passam a consumir ou poupar mais.

Será que os que estão no topo da pirâmide vão parar de consumir ou investir menos se pagarem um pouco mais de impostos? Não é o que parece.

Qual o impacto da recessão sobre a desigualdade?

Políticas de austeridade costumam afetar mais os pobres. É plausível pensar que os níveis desigualdade vão parar de melhorar nos próximos anos se essas políticas forem implementadas. As expectativas não são favoráveis para a continuidade da queda da desigualdade de renda.
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FONTE: Folha de São Paulo

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

“Há uma seletividade política na justiça brasileira”, diz jurista Carol Proner à RFI

Por Elcio Ramalho,  de Paris


RFI (Radio France Internationale) convidou a jurista Carol Proner para uma entrevista.  Carol Proner foi à França para proferir uma palestra na "Maison da América Latina de Paris". 

O tema da palestra a ser desevolvido pela jurista foi “O Processo de judicialização da vida política na América Latina: o caso brasileiro”



Segundo Carol Proner, diante da profunda crise política e econômica no Brasil, criou-se uma imensa expectativa sobre a atuação do judiciário para resolver os problemas crônicos do país.

“O executivo e o legislativo estão em certa medida muito comprometidos com processos de corrupção. Então, existe uma expectativa muito grande do papel do judiciário na resolução dessa crise. Há muitas vezes uma migração de funções da política para o judiciário neste momento que o Brasil vive”, disse em entrevista à RFI Brasil.

“O sistema de justiça como um todo vem atuando, envolvendo-se muitas vezes em questões de política nacional de grande porte”, ressalta.

A atuação do judiciário no âmbito da operação Lava Jato de combate à corrupção são particularmente alvo de uma análise crítica por parte da especialista pela importância e pelo objetivo de resolver o problema de corrupção sistêmica no país.

Para Carol, há uma concentração do primeiro grau de jurisdição na figura do “famoso” juiz Sérgio Moro. “Ele tornou-se famoso porque acabou absorvendo a expectativa popular legítima de combate à corrupção sistêmica. Esse juiz guarda em si a expectativa e a esperança de milhares de pessoas de que a corrupção pode ser combatida e acabada no Brasil. Essa preocupação é grande. Alguém que tem tanto poder e expectativa tem que ter muita responsabilidade na sua forma de atuar. No caso da sentença contra o presidente Lula, isso não aconteceu”, avalia.

Lula condenado a quase 10 anos de prisão

O juiz Sérgio Moro condenou o ex-presidente Lula a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso conhecido como tríplex.

Num prazo de 10 dias, um grupo de 122 professores de Direito e advogados, produziu artigos para analisar a sentença do juiz Moro. O trabalho foi reunido no livro Comentários a uma sentença anunciada: o processo Lula (Canal 6 Editora), coordenado por Carol Proner e outros três especialistas. 


“Ninguém tinha dúvida de que a sentença seria condenatória. A forma de julgar, utilizando de métodos fora do Direito, fora das garantias jurídicas reconhecidas e usuais, era notória que a sentença iria pelo caminho da condenação”, afirma.

“O que ele iria dizer nas mais de 230 páginas ninguém sabia, mas sabíamos que a sentença, sem dúvida, seria condenatória como as próximas também serão”, prevê.

“Seletividade política”

Se a decisão não causou surpresas, a justificativa do magistrado foi objeto de polêmica “Ele passa boa parte da sentença justificando suas atitudes excepcionais, dizendo que para combater a corrupção é preciso sustar ou ampliar a extensão interpretativa ou do direito porque estamos diante de uma situação excepcional. Ele admite o uso um pouco mais extenso do direito para aplicar a convicção na hora de julgar. Sem provas, mas com convicção. Isso é muito grave”, defende.

Carol Proner aponta ainda uma “seletividade política” no curso da Lava Jato ao referir-se aos acordos de delações premiadas que seriam usados para “dizer coisas” que interessam aos procuradores e ao Ministério Público (MP). “O Ministério Público também tem mostrado pouca transparência na sua conduta. Isso é desconfortável para nós. É muito constrangedor para nós; que trabalhamos com o direito justo, ver as regras de garantias processuais violadas dessa forma”.

A primeira sentença de Moro contra ex-presidente Lula permite que ele recorra da decisão em liberdade. O processo agora será analisado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região(TRF4) que poderá confirmar ou reformar a sentença do juiz paranaense.

“Eu tenho a expectativa de que o Tribunal não terá outro caminho senão o de reformar essa sentença porque ela compromete muito a forma de julgar do magistrado de primeira instância porque não há provas. Se isso não acontecer, será um precedente assustador para nosso país”, afirma.
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Fonte: RFI - Radio France Internationale

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Na Coréia do Norte, todos os caminhos levam à catástrofe

Por Jon Schwarz



O ASPECTO MAIS ALARMANTE do recente teste nuclear conduzido pela Coreia do Norte, no contexto da tensão crescente com os EUA, é o quão pouco se sabe sobre como realmente funciona o país asiático. Há 70 anos, a Coreia do Norte está isolada do resto do mundo – algo quase inconcebível para os tempos atuais, em que basta um clique para que uma pessoa em Buenos Aires compartilhe um vídeo de gatinhos em Kuala Lumpur. Poucos estrangeiros tiveram contato íntimo com a sociedade norte-coreana, e pouquíssimo podem falar com propriedade a respeito do país.

Uma dessas raríssimas exceções é a escritora e jornalista Suki Kim. Ela nasceu na Coreia do Sul e se mudou para os Estados Unidos aos 13 anos. Passou boa parte do ano de 2011 ensinando inglês para filhos da elite norte-coreana na Universidade de Ciência e Tecnologia de Pyongyang(PUST).

A jornalista já havia visitado a Coreia do Norte diversas vezes e escrito sobre a experiência para a Harper’s Magazine e a New York Review of Books. Ainda assim, inacreditavelmente, nem os responsáveis norte-coreanos pela estadia de Kim no país nem os missionários cristãos que fundaram e administram a PUST perceberam que ela estava infiltrada para realizar uma das missões de jornalismo investigativo mais arriscadas da história.

Embora todos os empregados da PUST fossem mantidos sob vigilância constante, Kim conseguiu guardar anotações e documentos em pendrives escondidos e no cartão de memória de sua câmera. Se tivesse sido descoberta, muito provavelmente teria sido acusada de espionagem e condenada à prisão nos terríveis campos de trabalho forçado do país. Dois dos três americanos atualmente presos na Coreia do Norte eram professores da PUST. O Pentágono já até usou uma ONG cristã como fachada para fazer espionagem na Coreia do Norte.

Mas Kim conseguiu não ser descoberta e pôde regressar aos EUA para escrever seu extraordinário livro, lançado em 2014: “Without You, There Is No Us” (“Sem você, não há nós”, em tradução livre, ainda não lançado no Brasil). O título vem da letra de uma antiga canção norte-coreana; “você” é Kim Jong-il, pai de Kim Jong-un, atual líder do país.

O livro é especialmente relevante para qualquer pessoa que tenha a intenção de entender o que pode vir a acontecer na Coreia do Norte. A experiência a tornou extremamente pessimista sobre todos os aspectos do país, incluindo a resistência do governo a renunciar ao seu programa de armas nucleares. Ela considera que a Coreia do Norte funciona como um verdadeiro culto e que toda a existência do país anterior a esse sistema já foi apagada da memória coletiva.

Ainda mais preocupante foi perceber que seus alunos, rapazes no fim da adolescência e começo da vida adulta, estavam profundamente inseridos nesse culto. A autocracia da família Kim está na terceira geração, e seria de se esperar que as elites norte-coreanas já tivessem abandonado qualquer ideologia inicial e se corrompido, como é o padrão da humanidade. Mas seus filhos, alunos da PUST, não iam esquiar na Suíça durante as férias escolares, nem mesmo viajavam dentro do próprio país. Em vez disso, passavam as férias estudando a ideologia norte-coreana “Juche” ou trabalhando nas fazendas coletivas.

Não é de se espantar, portanto, que os alunos de Kim fossem completamente ignorantes sobre assuntos externos, incapazes de reconhecer fotos do Taj Mahal ou das pirâmides do Egito. Um deles disse ter ouvido que todas as pessoas no mundo falavam coreano, que teria sido reconhecido como o idioma mais avançado de todos. Outro aluno acreditava que o prato coreano “naengmyeon” era considerado a melhor comida do planeta. Ademais, estavam imersos numa cultura da falsidade. Contavam mentiras tão absurdas que Kim chegou a escrever: “Eu só podia imaginar que eles, meus queridos alunos, fossem loucos”. Apesar disso, eles eram também bastante humanos, de uma inocência encantadora, e se afeiçoavam aos professores.

A história contada em “Without You, There Is No Us” é, em resumo, de uma tristeza insuportável. A Coreia, ainda unificada, foi feita de joguete por Japão, EUA, União Soviética e China. Como tantas famílias coreanas, a de Kim tem parentes próximos que ficaram na Coreia do Norte quando ocorreu a divisão, e nunca mais foram vistos. Kim considera que a Coreia hoje está definitivamente fraturada:

Então, pensei que era tudo inútil, a fantasia de uma união coreana, os cinco mil anos de identidade. Porque uma nação unificada foi partida de forma irreparável em 1945, quando um grupo de políticos traçou uma linha aleatória sobre o mapa e separou famílias que jamais voltaram a se reencontrar. Seu ódio, sua tristeza e seu arrependimento não foram reconhecidos, e seus corpos se tornaram terra, parte desse solo…. Por trás dos filhos da elite que agora eram meus pupilos por um curto período, por trás dessas crianças adoráveis e mentirosas, eu via claramente que não haveria redenção possível.

The Intercept conversou recentemente com Kim sobre sua temporada na Coreia do Norte e a perspectiva que esse período deu a ela sobre a crise atual.


JON SCHWARZ: Achei seu livro insuportavelmente doloroso. Sou americano, e não consigo imaginar como é viver num lugar brutalizado por tantos países poderosos. O governo da Coreia do Norte, e, em menor escala, o da Coreia do Sul usaram esse sofrimento para consolidar seu poder. E talvez o mais triste tenha sido perceber que esses rapazes, seus alunos, ainda eram claramente pessoas, seres humanos, mas estavam inseridos num sistema terrível, programados para fazer coisas terríveis a seus conterrâneos.

SUKI KIM: Sim, porque não há outra forma de estar naquele país e não há outro país como aquele. As pessoas comparam com tanta facilidade a Coreia do Norte a Cuba, à Alemanha Oriental ou até mesmo à China, mas em nenhum desses países existiu algo semelhante ao que vem acontecendo na Coreia do Norte, esse nível de isolamento e controle que reúne as características de culto e ditadura. Enquanto estava lá, comecei a pensar que já é quase tarde demais para voltar atrás; os jovens com quem eu convivia nunca tinham vivido de outra forma.

Tudo começou com a divisão da Coreia em 1945. É comum pensar que teria começado com a Guerra da Coreia, mas a guerra só aconteceu por causa da divisão [da Coreia, realizada pelos EUA e pela URSS ao fim da II Guerra Mundial] em 1945. O que vemos hoje é a Coreia presa no limbo.

JS: Praticamente nenhum americano sabe o que aconteceu entre 1945 e o começo da Guerra da Coreia, e poucos sabem o que ocorreu durante a guerra. [Syngman Rhee, o ditador de extrema-direita instalado pelos EUA na Coreia do Sul, massacrou dezenas de milhares de sul-coreanos antes da invasão pela Coreia do Norte em 1950. Depois disso, já nos primeiros meses da guerra, foram executados pelo governo de Rhee mais cem mil sul-coreanos, até que um bárbaro ataque aéreo dos EUA matou cerca de um quinto da população da Coreia do Norte.]

SK: Sobre o tão falado “mistério da Coreia do Norte”, talvez as pessoas devessem se perguntar por que a Coreia é um país dividido e por que há soldados americanos na Coreia do Sul. Essas perguntas não estão sendo feitas. Quando você olha para a origem da situação, faz algum sentido que a Coreia do Norte use esse ódio pelos EUA como ferramenta para justificar e manter o mito do Grande Líder. O Grande Líder sempre foi o salvador, o libertador que protegia as pessoas do ataque do imperialismo americano. A História da Coreia do Norte se funda não só na filosofia Juche, mas também no ódio aos EUA.


JS: A partir da sua experiência, como você entende a questão nuclear na Coreia do Norte?

SK: Nada vai mudar, porque é um problema insolúvel, chegar a ser desonesto pensar que possa ser resolvido. A Coreia do Norte nunca vai desistir de ter armas nucleares. Nunca.

Só seria possível negociar com a Coreia do Norte se o regime não fosse o que é. Nenhum acordo é respeitado, simplesmente porque a Coreia do Norte não funciona assim, é uma terra de mentiras. Por que continuar tentando fazer acordos com alguém que nunca irá cumpri-los?

Todos os países ao redor da Coreia do Norte desejam uma mudança de regime político. Eles dizem, porém, que não é isso que querem, e fingem estar buscando acordos enquanto, na verdade, procuram meios de derrubar o regime.

O que resta a fazer é empreender esforços para envolver as pessoas, forçando a entrada de informação no país. Essa é a única alternativa, não vejo outra forma de causar mudanças na Coreia do Norte. Nada vai mudar se o lado de fora não despejar recursos lá dentro.

JS: Qual a motivação dos poderosos da Coreia do Norte para se agarrar às armas nucleares?

SK: Eles não têm outra alternativa, não têm literalmente nada além disso. As tentativas de negociação só continuam acontecendo porque eles são uma potência nuclear, é uma questão de sobrevivência. O que eles temem é a mudança do regime sobre o qual o país está assentado.

JS: Mesmo se o regime mudasse, seria difícil convencê-los, com argumentos racionais, a abrir mão do armamento nuclear, depois do que aconteceu com Saddam Hussein e Muamar Kadafi.

SK: É realmente uma equação simples: não há motivo para renunciar às armas nucleares. Nada vai fazer com que renunciem.

JS: Sempre me pareceu que a Coreia do Norte não faria o primeiro movimento numa guerra nuclear, até mesmo por um senso de autopreservação. A descrição que você faz dos seus alunos, no entanto, me fez pensar que o risco de um erro de cálculo por parte deles é maior do que eu imaginava.

SK: Era paradoxal: eles até podiam ser inteligentes, mas eram completamente iludidos sobre tudo. Não vejo como as pessoas que governam o país seriam diferentes. Aqueles com quem os estrangeiros têm contato, como os diplomatas, são sofisticados e conseguem conversar no mesmo nível. Mas até eles têm um outro lado, pois foram criados para pensar de forma diferente, sua realidade é distorcida. 

Para eles, a Coreia do Norte é o centro do universo, o resto do mundo simplesmente não existe. Eles viveram os últimos 70 anos dentro desse culto total.  Era 2011, e meus alunos não sabiam o que era a internet – alunos de computação das melhores escolas de Pyongyang. O sistema é assim, brutal, para todos.

JS: Mesmo os pais mais influentes tinham pouca autonomia para tomar decisões que envolviam seus próprios filhos. Eles não podiam trazer seus filhos para casa, não podiam ir visitá-los.

SK: Seria de se imaginar que exceções fossem frequentemente abertas [para os filhos da elite], mas isso simplesmente não acontecia. Eles não podiam ligar para casa, não havia qualquer forma de se comunicar com os pais. Literalmente, nenhuma exceção. Para nenhum poder ou agência.

Também me espantou o fato de eles não viajarem para outros lugares dentro do próprio país. Você poderia pensar que todos esses jovens de elite deveriam ao menos conhecer as famosas cadeias de montanhas [da Coreia do Norte], mas nenhum deles jamais esteve lá.

Esse poder absoluto é a razão para a Coreia do Norte ser o que é.

JS: Qual seria sua recomendação se pudesse criar políticas em relação à Coreia do Norte para os EUA e outros países?

SK: É uma situação que ninguém conseguiu ainda resolver. Não é um sistema que eles possam moderar. O Grande Líder não pode ser moderado, não pode ser menos divino. O sistema do Grande Líder precisa ser rompido.

É impossível, porém, imaginar como isso aconteceria. É uma perspectiva completamente desanimadora. As pessoas foram destituídas de todas as ferramentas que seriam necessárias para pensar de maneira independente: educação, informação, possibilidade de compartilhamento.

Uma intervenção [militar] não funcionaria porque o país é uma potência nuclear. Minha opinião é que precisa acontecer, de alguma forma, um fluxo, um derramamento de informações para dentro da Coreia do Norte. O problema é que a população é vítima de abuso por uma ideologia de culto. Mesmo que não haja mais o Grande Líder, alguma outra forma de ditadura virá substituí-lo.

Todos os caminhos levam à catástrofe, e é por isso que até os desertores do regime, quando fogem, frequentemente se tornam cristãos fundamentalistas. Eu queria poder sugerir alternativas, mas tudo leva a becos sem saída.

A única coisa que chegou a me dar um pouco de esperança foi o fato de Kim Jong-un ser mais imprudente que o líder anterior [seu pai, Kim Jong-il]. Mandar matar seu tio e seu irmão poucos anos depois de assumir o poder não cai bem para um sujeito que só está no poder por conta do sobrenome. Se é só a linhagem que o mantém naquela posição, ele não deveria se autossabotar matando membros da própria família.

JS: Em uma perspectiva histórica, normalmente seria de se esperar que a família real ficasse maluca demais, aparecesse algum neto muito lunático, e então os militares e o poderio econômico decidiriam que não precisavam mais daquele cara, iriam se livrar dele, e assumiriam o comando. Na Coreia do Norte, no entanto, isso parece impossível: essa família precisa estar no poder, os militares não podem dizer “ah, então, o país agora é comandado por um general qualquer”.

SK: A marca do Grande Líder, que eles construíram, é muito poderosa. É por isso que o assassinato de Kim Jong-nam [meio-irmão mais velho de Kim Jong-un e herdeiro original da dinastia Kim] foi uma decisão idiota. O que se demonstrou ali foi que a linhagem real pode ser assassinada, e isso abre uma brecha para essa alternativa porque há outras figuras da dinastia que podem ser colocadas no lugar. Ele não é único. Matar [Jong-nam] criou um precedente para que isso aconteça.


JS: Um detalhe que achei especialmente estarrecedor foi o sistema de parcerias entre os alunos. Todos tinham um parceiro com quem passavam bastante tempo, e de quem pareciam muito amigos – até que esse parceiro era substituído, e os dois nunca mais voltavam a andar juntos.

SK: O sistema de parceria existe apenas com um propósito de vigilância, não interessa que se trate de rapazes de 19 anos tentando fazer amigos. É essa a medida em que não se reconhece nem se respeita a humanidade de cada um. Há uma canção norte-coreana que compara cada cidadão com uma bala em uma imensa arma para o Grande Líder. Eles vivem assim.

JS: Também fiquei impressionado com a descrição que você faz da degeneração da linguagem na Coreia do Norte. [Kim escreveu: “Cada vez que eu visitava a RDPC, a República Democrática Popular da Coreia, sentia o impacto da degradação do idioma coreano. Os palavrões haviam sido incorporados não apenas às conversas e aos discursos, mas também à linguagem escrita. Estavam por toda parte: em poemas, jornais, discursos oficiais do Partido dos Trabalhadores e até em letras de música. Era como encontrar as palavras “porra” e “merda” num discurso presidencial ou na primeira página do New York Times.”]

SK: Sim, tenho a impressão de que a linguagem reflete a sociedade. O sistema é todo construído em cima de um risco de guerra iminente, e essa violência mudou o idioma coreano. Além disso, Kim Jong-un e sua turma são marginais, esse é o estilo deles, e esse estilo tomou o país inteiro.

JS: O mau gosto parece ser um problema comum aos ditadores de todo o mundo.

SK: É interessante analisar a Coreia do Norte em meio ao período atual dos EUA, porque é possível perceber muitas semelhanças. Basta olhar para as incessantes publicações de Trump no Twitter acusando todas as notícias de “fake news” e repetindo o quanto ele mesmo é incrível. É muito parecido com o que acontece na Coreia do Norte, um fluxo constante de propaganda política. Edifícios com slogans que parecem gritar, reiterando a mensagem de que os inimigos mentem o tempo todo. As frases de efeito, resumidas para caber em um tweet, são muito parecidas com os slogans da Coreia do Norte.

Esse país em que estamos hoje, onde não é mais possível discernir entre verdade e mentira, a começar do que vem de cima, tem o mesmo grande problema da Coreia do Norte. Os Estados Unidos deveriam prestar atenção, pois há uma lição a ser aprendida.

JS: Eu me senti mal depois de ler seu livro, e agora estou me sentindo ainda pior.

SK: Para ser sincera, eu me pergunto se existe um prazo em relação às tragédias – não para solucioná-las, mas para torná-las menos terríveis. Me parece que já é tarde demais no caso da Coreia do Norte. Quando você consegue eliminar qualquer traço de humanidade a esse nível, ao longo de três gerações… O horror se torna ainda maior quando transparece a humanidade dos norte-coreanos. É aí que nos damos conta do quanto a humanidade pode ser distorcida, manipulada e violada. É aí que nos deparamos com a total devastação do que está de fato em jogo.
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Essa entrevista foi editada por razões de tamanho e clareza.

Foto em destaque: Uma pintura exposta no Ministério das Ferrovias retrata um trem que certa vez transportou Kim Jong-il. Dizia-se que ele teria morrido num trem enquanto viajava incansavelmente para assegurar o bem-estar de seu povo. Exposição Kimjongilia, 2002.

Tradução: Deborah Leão

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

As 10 maiores ilegalidades da Lava Jato

Por Anderson Bezerra Lopes

O advogado Anderson Bezerra explica quais são as 10 maiores ilegalidades da Lava Jato.  Essas ilegalidades serão apresentadas e detalhadas uma por vez em um vídeo entrevista. 

Bezerra Lopes é advogado. Mestre em Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (2008). Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2007). Membro do Conselho Editorial do Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

ILEGALIDADE #7: CONDUÇÃO COERCITIVA

Na continuidade da série sobre as 10 maiores ilegalidades da Lava Jato, o jornalista Joaquim de Carvalho, do DCM, entrevista o advogado Anderson Bezerra Lopes. A entrevista revela como a condução coercitiva se tornou, a partir do juiz Sergio Moro, num recurso para humilhar investigados.


ILEGALIDADE #6: PRISÕES ABUSIVAS

O advogado Anderson Bezerra Lopes, em entrevista ao jornalista Joaquim de Carvalho, do DCM, fala dos abusos das prisões cautelares na Operação Lava Jato.


ILEGALIDADE #5: DESCUMPRIMENTO DE ACORDO DE DELAÇÃO PREMIADA

Nesta entrevista ao jornalista Joaquim de Carvalho, o advogado Anderson Bezerra Lopes conta que uma das ilegalidades da Lava Jato é não levar em consideração o descumprimento de acordos de delação premiada. Na origem, está Alberto Youssef, que continuou solto mesmo com a informação, formalmente prestada ao juiz Sergio Moro, de que ele continuava a operar no submundo do mercado financeiro.


ILEGALIDADE #4: A VIOLAÇÃO DAS PRERROGATIVAS DOS ADVOGADOS

Nesta entrevista a Joaquim de Carvalho, o advogado Anderson Bezerra Lopes, que atua Lava Jato desde 2014, explica como o balança da justiça está desequilibrada na jurisdição de Sergio Moro. Para atingir seus objetivos, o juiz violou prerrogativas dos advogados.


ILEGALIDADE #3: A DENÚNCIA ANÔNIMA

Esse é o terceiro vídeo de uma série de 10. Nele o advogado aborda o tema da denúncia anônima, aceita como prova pelo juiz Sergio Moro. Para turbinar a investigação, ele deu valor ao anonimato e autorizou a continuidade da investigação que se tornou um instrumento de perseguição política.


ILEGALIDADE #2: USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STF

Esse é o segundo vídeo de uma série de 10. Nele o advogado aborda o tema da usurpação de competência do STF pelo juiz Sergio Moro. Para manter a investigação sob seu controle, o magistrado omitiu o envolvimento de pessoas com foro privilegiado.



ILEGALIDADE #1: A INCOMPETÊNCIA JURISDICIONAL

Esse é o primeiro vídeo de uma série de 10. Nele o advogado aborda o tema da incompetência do foro de Sergio Moro para julgar o processo.


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quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Celso Amorim: servi com um estadista​ (Lula)

Por Celso Amorim

O fórum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul)não somente abriu novos caminhos para a cooperação sul-sul como esteve na raiz da criação do BRICS, que se constituiu em importante fator de equilíbrio na ordem econômica internacional, até então dominada pelo G7 (grupo de economias mais ricas).

Celso Amorim discursando na Assembleia Geral da ONU

Foi com enorme honra que recebi, em dezembro de 2002, o convite do Presidente Lula para ser seu Ministro das Relações Exteriores. Diplomata de carreira, eu fora chanceler de Itamar Franco e havia representado o Brasil,em diversos governos, perante às Nações Unidas, em Nova Iorque, à Organização Mundial do Comércio e outras organizações internacionais em Genebra. Quando recebi o convite, era Embaixador do Brasil junto ao governo britânico. 

A opção do presidente recém-eleito por um funcionário de carreira já denotava sua visão sobre como deveria ser conduzida a política externa em seu governo, já que não faltavam, nos próprios quadros do Partido dos Trabalhadores, pessoas com qualificações e com amplo conhecimento e experiência na realidade internacional. Mais do que qualquer outra coisa – uma vez que jamais tivéramos contato direto – , o Presidente Lula quis significar, com essa opção, que a política externa do Brasil, sem deixar de ser sensível aos anseios populares que o levaram ao poder, seria, sobretudo, uma política de Estado.

Desde logo, percebi que havia grande sintonia em nossas visões. Ao falar à imprensa no momento em que minha indicação foi anunciada, limitei-me praticamente a dizer que a política externa seria levada adiante de forma “ativa e altiva”. Foi esse sentimento, de profundo respeito pela dignidade do país, ao lado da crença na capacidade do povo brasileiro de enfrentar desafios, que norteou nossas posições e iniciativas no cenário internacional. A auto-estima substituiu o inexplicável complexo de inferioridade, que, afora alguns momentos excepcionais, costumava marcar a nossa atuação diplomática.

Celso Amorim em palestra na Casa Portugal em 2016

Durante o governo Lula, o Brasil rejeitou acordos comerciais desvantajosos que se nos queriam impor; trabalhou intensamente pela integração sul-americana; fortaleceu as relações com os demais países da América Latina e Caribe; intensificou laços de amizade com a África e os países árabes e rompeu novos horizontes na formação de fóruns e blocos com as grandes nações emergentes. Sem hostilizar nossos parceiros do mundo desenvolvido (ao contrário, criamos uma “parceria estratégica” com a União Europeia e um “diálogo global”com os Estados Unidos), trabalhamos em favor de um mundo mais multipolar, no qual os interesses do Brasil e dos países em desenvolvimento como um todo pudessem ser afirmados e respeitados.

Durante as duas gestões do Presidente Lula, o Brasil liderou a criação de uma organização política sul-americana (a Unasul) e esteve à frente da iniciativa da CELAC – Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos. Pela primeira vez em duzentos anos de vida independente foi possível criar órgãos que representassem o conjunto da América do Sul, e da América Latina e Caribe, sem qualquer tipo de tutela externa. O fórum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul)não somente abriu novos caminhos para a cooperação sul-sul como esteve na raiz da criação do BRICS, que se constituiu em importante fator de equilíbrio na ordem econômica internacional, até então dominada pelo G7 (grupo de economias mais ricas). O Presidente Lula esteve à frente, também, de importantes lutas para erradicar a fome e a pobreza no mundo e para facilitar o acesso de populações pobres a tratamentos de saúde. Sua liderança na reforma das regras do comércio e das finanças internacionais foi amplamente reconhecida, o que se espelhou sobretudo no G20, o grupo das maiores economias, que, para efeitos práticos, substituiu o G7 como principal foro internacional em temas econômico-financeiros.

Erdogan, Ahmadinejad e Lula ao lado de Amorim comemoram vitória no acordo Nuclear com o Irã

No plano da paz e da segurança, o Brasil foi chamado a participar de esforços em prol de uma solução pacífica no Oriente Médio, como ocorreu no caso da Conferência de Annapolis, em relação ao conflito Israel-Palestina (o Brasil foi um dos três únicos países em desenvolvimento não-predominantemente islâmicos a participar do encontro). Juntamente com a Turquia, estivemos, em 2010, no centro de uma importante iniciativa para solucionar o problema em torno do programa nuclear iraniano, que viria servir de inspiração ao acordo estabelecido entre as grandes potências e Teerã, em 2015.

Durante os oito anos em que servi diretamente sob as ordens do presidente Lula, pude testemunhar a admiração que ele inspirava nos estadistas das mais variadas partes do mundo. Não seria exagero dizer que, durante esses anos, o Brasil era um “farol” que apontava o caminho do desenvolvimento em direção a uma sociedade mais justa e democrática em um mundo política e economicamente mais equilibrado. Nesses anos, o respeito pelo Brasil atingiu níveis nunca antes alcançados e a figura do nosso presidente era reverenciada por todos, ricos ou pobres, poderosos ou fracos. 


Em vários momentos, principalmente nas longas viagens ao redor do mundo, participei de conversas reservadas, em que temas de política internacional se misturavam com os da situação interna no nosso país. Durante todos esses momentos, jamais presenciei, da parte do Presidente Lula, gesto ou palavra que não fosse indicativa de sua absoluta integridade moral e dedicação aos objetivos maiores do povo brasileiro. 

Recordo-me de uma primeira viagem pelo interior do Nordeste, em que Lula fez questão de mostrar aos seus ministros (a maioria dos quais oriundos de partes mais bem aquinhoadas do país) a verdadeira realidade brasileira. Constatei, com misto de surpresa e espanto,não só a afeição mas também a confiança que o povo pobre do Brasil depositava no líder que acabara de assumir. Há poucas semanas, acompanhei novamente Lula em um trecho de sua “caravana” àquela região e pude constatar que a mesma relação de confiança se preservou. Melhor: foi reforçada pelos avanços sociais que seu governo trouxe. É, pois, com grande tristeza, que vejo as tentativas daqueles que sempre defenderam privilégios de classe e atitudes de dependência em relação a potências estrangeiras de desconstruir a imagem e a obra daquele que foi, sem dúvida, o maior líder popular que o Brasil já teve.

Lula nos braços do povo

Como tantos brasileiros, confio que a justiça, afinal, prevalecerá e que Lula poderá seguir conduzindo o Brasil no rumo de uma sociedade menos desigual e de uma posição de respeito, independência e dignidade no plano internacional. 

Brasília, 7 de setembro de 2017