sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O delírio da divisão etno-geográfica do país

Por Paulo Franco

As eleições de 2014 desencadeou uma combinação perigosa de ignorância, preonceitos, discriminação e arrogância, que só se dissipará com o exercício da democracia e seu consequente fortalecimento.





UM EXEMPLO RECENTE NOS ESTADOS UNIDOS


Nas eleições presidenciais de 2000, para substituir o então presidente do Partido Democrata, Bill Clinton, nos Estados Unidos da América, o candidato do Partido Republicano obteve a maioria dos votos do colégio eleitoral, sendo eleito por 271 delegados.

Al Gore, candidato da situação, do Partido Democrata, obteve o voto de 266 delegados, perdendo para o candidato republicano por apenas 5 votos no colégio eleitoral.
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Todavia os 271 delegados que escolheram Busch representavam 50.456 mil votos populares, enquanto que os 266 delegados que votaram em Al Gora, represetaram 50.996 mil votos populares, ou seja, Al Gore "venceu" por 540 mil votos populares.


Mas, o mais interessante nesse pleito, foi que quando faltavam 3 estados, Novo México com 5 votos eleitorais, Oregon com 7 votos eleitorais e Flórida com 25 votos eleitorais,  Al Gore vinha vencendo a eleição com 255 votos eleitorais contra 246 votos de Bush no Colégio Eleitoral.  Al Gore ampliou a vantagem para 20 votos eleitorais, ao conquistar 11 dos 12 votos do Novo México e do Oregon (um delegado se absteve), atingindo 266 votos eleitorais, ficando claro para todo o povo americano, a sua vitória, já que a Flórida, com 25 votos eleitorais,  é um tradicional reduto democrata. 

Contudo, a apuração na Flórida foi muito mais conturbada do que se poderia imaginar.  A vantagem automática não se verificou, ficando Bush a maior parte do tempo na liderança,  o que reverteria todas as previsões feitas até aquele momento, uma vez que os 25 votos eleitorais deste colégio fatalmente, ultrapassaria os 20 votos de vantagem de Al Gore, conseguida até então.

Essas eleições foram marcadas pela desconfiança na lisura do processo de votação e do processo de apuração.  Foram 40 dias de suspense, com denuncias e acusações, onde parte da população ainda classificam como um verdadeiro golpe de estado. 

Entre indas e vindas, contagem e recontagens, envolvimento de Suprema Corte Federal e Suprema Corte da Flórida, finalmente foi reconhecida a vitória de Bush na Flórida por minguados 537 votos populares.

Essa sim foi uma eleição que poderíamos chamar de apertada e duvidosa. 
  • Bush venceu Al Gore  por 5 votos eleitorais (271 a 266)
  • A vitória de Bush foi graças a 537 votos na Flórida que lhe garantiu 25 votos eleitorais. 
  • Al Gore venceu Bush em votos populares com 50.996 mil a 50.456 mil, com uma diferença de 540 mil votos, ou 0,5%.
Declarada a vitória do candidato Bush, o presidente assumiu com baixíssima credibilidade, sendo até chamado de ladrão (de votos).   Segundo a própria opinião pública dos EUA, Busch tomou posse, na verdade, após o epísódio fatídico de 11 de setembro.

Não houve por parte da mídia e nem da opinião pública nenhum alarde com uma divisão da sociedade em dois blocos em dois países.

O CASO BRASILEIRO


As eleições presidenciais do Brasil, terminou com a vitória de Dilma Rousseff, que obteve 54,5 milhões de votos contra  Aécio Neves que obteve 50,9 milhões de votos.  Percentualmente Dilma ficou com 51,7% e Aécio com 48,3% dos votos válidos.

A diferença entre os dois candidatos ficou em 3,6 milhões de votos ou 3,4%.  Uma votação apertada, considerando as últimas eleições presidenciais.  Mas 3,4% ou 3,6 milhões de votos não é assim tão pouca coisa.

Contrapondo com o caso descrito dos Estados Unidos, onde a vitória de Bush foi decorrente de apenas 537 votos populares, no colégio eleitoral da Flórida, nosso conceito de "apertada" deve ser repensado.

A intolerância e a prepotência da direita arcaica brasileira, não permitem que aceitem a derrota nas urnas, então criam  dois Brasis, separados por uma linha imaginária onde um lado é composto pelas pessoas que deram a vitória ao candidato da direita e o outro Brasil é composto pelas pessoas que deram vitória ao adversário.


OS DOIS BRASIS



Tão logo as urnas indicavam a vitória de Dilma Rousseff, os intolerantes e autoritários da direita arcaica, começavam a apontar possíveis culpados por que estava ocorrendo.  Embora Minas Gerais, reduto eleitoral de Aécio tenha dado vitória à Dilma, a culpa mesmo recaiu sobre o nordeste, onde a diferença em favor visível.

A partir do final da apuração iniciou uma verdadeira guerra preconceituosa, intolerante, discriminatória e extremamente agressiva em relação ao nordeste, iniciando com jornalistas e colunistas da grande mídia inflamando o restante da população, com declarações absurdas, deprimentes dos eleitores de Aécio, que na verdade são anti petistas.

A tônica dos ataques eram basicamente a desqualificação do "culpado", como ignorantes, burros, manipuláveis, pessoas que se vende pela esmola do bolsa família, um bando de miseráveis, enquanto que do outro lado estava um sulista, rico, inteligente, culto, poderoso. 

Digo Mainardi, na Globonews, em suas avaliações desfilou um rosário de de agressões, pré conceitos e ódio aos nordestinos.
"O Nordeste sempre foi retrógrado, sempre foi governista, sempre foi BOVINO, sempre foi subalterno em relação ao poder, durante a ditadura militar, depois com o reinado do PFL e agora com o PT. É uma região atrasada, pouco educada, pouco construída que tem uma grande dificuldade para se modernizar na linguagem. A imprensa livre só existe da metade do Brasil para baixo. Tudo que representa a modernidade tá do outro lado. "



A MIOPIA NA INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS


O que se viu de forma generalizada é um total desconhecimento da realidade da eleição, do comportamento do eleitor e acima de tudo da desinformação propagada pelos meios de comunicação, aliada a precipitação dos analistas, comentaristas, colunistas externando suas indignações lastreadas uma visão superficial  e totalmente equivocada.

Num olhar mais atento, percebe-se claramente que não há duas regiões tão distintas que justifique a existencia de 2 Brasis, como foi difundido por muitos sabichões.   No nordeste por exemplo, onde a vantagem de Dilma foi maior, 8 milhões de pessoas votaram em Aécio.  A separação e discriminação declarada por adeptos de Aécio, aos nordestinos culpando-os pela derrota e até ofendendo-os de todas formas inimagináveis, foi um total desrespeito, um descaso com esses eleitores que depositaram sua opçao nesse candidato.

Ao olhar para os números do sudeste, vemos o nível da miopia que caracterizou os cidadãos, principalmente paulistas, que votaram contra o PT.  Ora, Aécio obteve 25,5 milhões de votos, mas 20 milhões de pessoas votaram em Dilma, praticmente o mesmo número do nordeste.  Qual a diferença entre os 20 milhões do sudeste que votaram em Dilma, dos 20 milhões do nordeste que também votaram em Dilma?  E muita ignorância, prepotência e intolerância.

O fato dos resultados terem sido apertados é uma demonstração da não divisão em dois países, e não o contrario, pois em todas as regiões milhões de pessoas votaram em Dilma e milhões de pessoas votaram em Aécio.  Portanto uma separação geográfica, embora haja vitória de um em uma determinada região e vitoria de outro em outra determinada região, não faz o menor sentido.   É uma dedução ilógica, superficial, equivocada, simplesmente estimulada por preconceitos arraigados.


E SE O INFERNO FOR SÃO PAULO E NÃO O NORDESTE?


Analisando os números numa perspectiva invertida, do ponto de vista do impacto regional nos resultados das eleições presidenciais, São Paulo pode ser considerado o verdadeiro vilão,  pela maioria dos eleitores espalhados pelo país.  Senão, vejamos:
  • Aécio recebeu 6,8 milhões de votos a mais que Dilma no estado.
  • A difença máxima acumulada de Aécio sobre Dilma atingiu 11,2 milhões, ou seja, somente 4,4 milhões no resto do país, ou pouco mais da metade do obtido em SP. 
  • Para anular  a vantagem dos 11,2 milhões de Aécio e terminar com um saldo positivo de 3,6 milhões de votos,  Dilma obteve uma diferença acumulada de 14,8 milhões de votos
  • Esses 14,8 milhões de votos em vantagem acumulada de Dilma sobre Aécio, ocorreu de forma mais distribuida e sua maior vantagem foi na Bahia, com apenas 2,9 milhões, ou seja, bem distante dos 6,8 milhões de Aécio obtidos em SP.
  • Aécio perdeu para Dilma até no seu próprio estado, no seu reduto eleitoral, enquanto que foi rejeitado como candidato até momentos finais, não só pelos paulistas, mas pelos próprios tucanos.
  • Essa análise mostra claramente que Aécio foi um candidato paulista, um vencedor em São Paulo, especificamente.  
  • As eleições de São Paulo foi merecedora de muitas criticas por parte dos analistas políticos e da sociedade em geral, pois: 
    • Reelegeram o governador em 1º turno,  com péssima gestão na educação, saúde, segurança
    • Reelegeram o  governador em 1º turno, que teve uma péssima gestão na questão hídrica, não planejando, não investindo permitindo que o estado mais rico da nação passe pela maior crise da história e do país.
    • Reelegeram o governador em 1º turno, apesar de haver um escândalo de corrupção de proporções gigantescas, em valores e em tempo de duração, envolvendo até as justiças da Suíça e da França.
    • Elegeram como mais votados para o legislativo políticos como: Tiririca, Russomano, Maluf (impedido pelo TSE) e Cel. Telhada. 
Obviamente essas conclusões são também tão equivocada quanto às que foram feitas com relação ao nordeste do pais.  Há explicações mais técnicas para esses fenômenos que não o pre-conceito geográfico, étnico ou elitista.  Mas isso é assunto para uma outra postagem, que deverei escrever na sequência.


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