Por Tamiris Gomes
Documentário de Flávio Colombini, Beatriz Alonso e Caio Castor, mostra as meninas que tomaram a frente da luta na ocupações. “Para que elas assumissem seus papéis de protagonismo nessa história e pudessem mostrar para outras meninas que elas também são fortes e que devem exigir seu espaço na sociedade”.
Em novembro de 2015, a Escola Estadual Diadema, localizada na região metropolitana de São Paulo, se tornou a primeira escola a ser ocupada por estudantes na luta contra a reorganização escolar apresentada pelo governador Geraldo Alckmin.
A ocupação em Diadema desencadeou um movimento secundarista que foi às ruas de São Paulo e mobilizou estudantes em 200 ocupações espalhadas em todo o estado. Eles protestavam contra a reestruturação que previa o fechamento de escolas e afetaria mais de 300 mil alunos.
Em novembro de 2016, um ano após a data que marcou o início da resistência, o documentário “Lute como uma menina!” é lançado no YouTube. A produção traz a história de luta durante as ocupações sob a perspectiva das garotas que participaram do movimento.
Com direção de Flávio Colombini e Beatriz Alonso, e colaboração do cinegrafista Caio Castor, o filme coloca à tona uma importante reflexão sobre o feminismo, o atual modelo educacional e o poder popular.
Nas entrevistas, as adolescentes contam suas histórias de confronto com autoridades e repressão que sofreram por parte da Polícia Militar, além dos aspectos da autogestão das escolas. Uma verdadeira aula de cidadania que inspirou e inspira os jovens à mudança.
Beatriz conta que a ideia de produzir o documentário surgiu quando percebeu que a grande mídia, em geral, não cobria as ocupações de forma profunda e pouco se sabia sobre as motivações dos secundaristas.
“Ouvimos os estudantes e como fui aluna de escola pública aquilo me era muito familiar, me identifiquei imediatamente e ali decidimos fazer o documentário. Outro motivo era de que a voz dos secundaristas não chegavam à população, os veículos não lhes davam voz, então decidimos contar as histórias das ocupações vistas de dentro, por quem participou dos atos e ocupou as escolas”, explica ao Catraca Livre.
As meninas tomaram a frente da luta e o roteiro seria dedicado à elas a partir de então. “Para que elas assumissem seus papéis de protagonismo nessa história e pudessem mostrar para outras meninas que elas também são fortes e que devem exigir seu espaço na sociedade”, completa Beatriz.
Foram entrevistadas mais de 40 secundaristas, porém somente 33 entraram no corte final. As filmagens aconteceram em 13 escolas ocupadas.
“Nós esperamos que este documentário inspire muita luta pela educação pública e também para uma sociedade livre do machismo, principalmente num momento em que a educação sofre fortes ataques com a PEC 55, a reforma do ensino médio e o programa ‘Escola Sem Partido’”, reitera a diretora.
Os diretores do documentário “Lute como uma menina!” contaram ao Catraca Livre as histórias que mais impactaram cada um. Leia os depoimentos abaixo:
Beatriz Alonso
- Muitas, muitas histórias ficaram marcadas. A postura dos diretores das escolas me chocou bastante. Eu posso citar a história de uma escola que ficava na periferia de São Paulo em uma comunidade onde há muitos traficantes de drogas, que foi ocupada por um grupo pequeno de alunos. A diretora inconformada em perder o poder da escola para esses alunos se sujeitou a procurar os traficantes de drogas da comunidade local e trazê-los contra a escola com o argumento de que a ocupação atrairia a atenção da polícia. Isso obrigou os alunos a desocuparem a escola três dias depois, sob ameaças.
- Também me chocavam as histórias de agressão policial com as meninas. São muitas, mas me lembro especificamente da história de uma apoiadora que estava no ato junto com os secundaristas e foi presa. Ela conta os detalhes da prisão de policiais que passaram a mão no corpo dela, a chamavam de macaca, ameaçaram cortar as tranças dela e várias outras agressões psicológicas. Até disseram que eles não iriam para a delegacia, mas iriam parar em algum lugar e que ela iria apanhar.
- Eu fiquei bastante indignada também quando os secundaristas contavam o que achavam escondido nas escolas e que não era oferecido a eles, desde uma sala com centenas de rolos de papel higiênico a salas com carteiras escolares novas, ainda embaladas. Além de outros absurdos como instrumentos musicais embalados, microscópio, tubos de ensaio, ácido e outros produtos que os alunos sequer tinham conhecimento.
Flávio Colombini
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- Para mim, o momento mais marcante aconteceu na Escola Estadual Alves Cruz, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. As alunas e alunos organizaram um luau. Com uma fogueira no meio da quadra, ficaram tocando violão, cantando, dançando e conversando. Várias meninas tiraram a camisa, ficando só de sutiã. Isso é um detalhe muito importante. Ali, naquela escola ocupada, as alunas construíram uma micro-sociedade em que as mulheres eram totalmente iguais aos homens. Ali não havia machismo. Nenhum menino fazia fiu-fiu para elas. As meninas se sentiam livres, plenamente protegidas e respeitadas. Estava estampada no rosto delas a satisfação por estarem ali, em ambiente de total acolhimento, respeito e amor. Foi emocionante testemunhar isso! Essa cena está no nosso documentário.
Fonte: CATRACA LIVRE
Tamiris Gomes, jornalista e redatora, cobre assuntos de Educação e Universidades no Catraca Livre. É integrante da Mural, primeira agência de jornalismo das periferias de São Paulo.
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