terça-feira, 26 de novembro de 2013

Bertholt Brecht: Um Fantasma que me Atormenta

Por Paulo Franco


Em tempos em que o Brasil se desponta como uma das maiores economias do mundo, tem um dos sistemas financeiros mais avançados, onde os executivos de grandes empresas são mais bem remunerados do que  a maioria dos países ricos.  
Em tempos em que, alias nesses mesmos tempos, o Brasil se desponta entre um dos países mais injustos do mundo, tem os piores índices de educação, saúde e segurança, miséria, e epidemias inaceitáveis.

São nesses tempos em que parcela da sociedade, aqueles que figuram no primeiro Brasil e não no segundo, rejeitam, boicotam, cerceiam políticas que levam médicos para os que precisam de médicos, políticas que levam uma renda mínima para aqueles que não tem água saciar a sede e comida para matar a fome, escola para quem não tem chance de estudar ...

São ainda nesses tempos que, Promotores Públicos autoridades públicas de defesa da sociedade contra o estado opressor, tirano e poderoso, trabalham com um rigor acima da lei contra uma parcela da sociedade, enquanto ao mesmo tempo que engavetam denuncias e até requerimentos de Justiça do exterior.  São tempos em que pedem-se a cabeça de quem denuncia e não de quem comete crimes contra o erário público e a sociedade.

São tempos incompreensíveis, insanos, sombrios.  Não consigo me desvencilhar de Bertholt Brecht, cada dia mais atual, como se fosse uma verdadeira ressonância magnética de nossa sociedade, onde cada imagem revela uma verdade tão crua quanto real.

Aos que vierem depois de nós

Bertolt Brecht
(Tradução de Manuel Bandeira)


Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito

falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.

Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.

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