Tati Almeyda (dir.), integrante da organização Mães da Praça de Maio, comemora
condenação de militares em Buenos Aires, na Argentina (26/10). Foto: Reuters
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Entre os condenados está Alfredo Astiz, o 'anjo da morte', considerado responsável por morte de freiras e ativistas
Oito anos após o fim das leis de anistia, a Justiça da Argentina
condenou, na quarta-feira, 18 militares por crimes contra a humanidade.
Os oficiais foram responsabilizados por torturas e mortes ocorridas
na Escola Superior da Marinha (Esma), em Buenos Aires. Na sentença,
treze foram condenados à prisão perpetua e os outros a mais de dezoito
anos de prisão.
Trata-se do julgamento que reuniu o maior número de militares desde
que as leis que anistiavam os oficiais da última ditadura argentina
foram revogadas, em 2003.
O júri também é o primeiro da chamada "mega causa da Esma", por
reunir centenas de casos. A Esma foi definida por entidades de direitos
humanos como "um dos maiores centros de detenção clandestina e de
extermínio" da última ditadura argentina (1976-1983).
Durante a leitura da sentença, o juíz disse que os réus foram
"condenados por perseguições, homicídio qualificado e roubo de bens da
vitima".
Veredicto
Os acusados foram condenados por crimes contra 86 pessoas, das quais
28 continuam desaparecidas e cinco foram assassinadas. A decisão da
Justiça foi tomada após 22 meses de investigação. Mais de 160 pessoas
foram ouvidas.
O veredicto foi transmitido ao vivo pelas principais emissoras de
televisão do país e através de um telão em frente ao tribunal, em Buenos
Aires. Familiares das vitimas acompanharam o julgamento na sala de
audiência do tribunal e aplaudiram quando foi lida a sentença.
A Justiça estima que cinco mil vítimas da ditadura argentina passaram
pelas instalações da Esma. Entre as vitimas "de tormentos e homicídios"
está Azucena Villaflor, uma das fundadoras da organização Mães da Praça
de Maio, que denunciava a repressão e procurava um filho desaparecido
na época.
Duas freiras francesas que apoiavam o grupo, Alice Domon e Leonie
Duquet, e o escritor Rodolfo Walsh também estiveram presos na Esma. "É
um dia histórico. Marca o enorme avanço na luta coletiva pelos direitos
humanos", disse Patrícia Walsh, filha do escritor, cujo corpo nunca foi
encontrado. No local chegou a existir uma maternidade clandestina, segundo a organização Avós da Praça de Maio.
O grupo luta para identificar os filhos de militantes que deram a luz
no local e tiveram seus bebês adotados por membros da ditadura.
Entre os condenados a prisão perpétua está o ex-capitão de fragata
Alfredo Astiz, que ficou conhecido como "anjo loiro" ou "anjo da morte".
Astiz foi acusado de se infiltrar em entidades de direitos humanos e de
entregar doze pessoas aos repressores, entre as quais Azucena
Villaflor.
Em entrevista à BBC Brasil, a advogada Carolina Varsky, da ONG CELS
(Centro de Estudos Legais e Sociais), disse que o veredicto era esperado
"há muito tempo". "Muitas famílias lutaram durante anos por este
momento", disse.
Anistia
A investigação sobre os crimes cometidos na Esma foi aberta nos anos
1980, após a redemocratização do país. O inquérito foi depois arquivado
com as leis do Ponto Final (1986) e da Obediência Devida (1987). As
leis, que anistiaram os agentes da ditadura, foram promulgadas durante o
governo do presidente Raul Alfonsín (1983-1989).
Em 2003, o Congresso aprovou um projeto de lei enviado pelo então
presidente Nestor Kirchner (2003-2007) que abriu caminho para o retorno
dos julgamentos. Na mesma ocasião, a Justiça também declarou
inconstitucionais os indultos dados pelo ex-presidente Carlos Menem
(1989-1999) beneficiando repressores e ex-guerrilheiros.
Ativistas de direitos humanos esperam que a Justiça ainda dê seu
veredicto sobre casos vinculados aos chamados 'voos da morte', quando
presos políticos eram lançados vivos no rio da Prata e no mar. Por
determinação do ex-presidente Kirchner, a Esma foi transformada em um
"centro cultural e de memória".
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