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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Salve Joaquim, Axé Barbosa

por Cynara Menezes


(foto: STF)

Acredito menos em destino do que em sincronicidade, esta coreografia de acasos que permite a alguns acontecimentos se tornarem emblemáticos. E é, sem sombra de dúvida, emblemático que a posse do primeiro presidente negro da história do STF (Supremo Tribunal Federal) aconteça justamente na Semana da Consciência Negra. Não houve planejamento algum nisso: seu antecessor, Carlos Ayres Britto, faz aniversário no dia 18 de novembro. Completou 70 anos domingo, teria que se aposentar. Uma total coincidência, portanto, com o Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado hoje. Joaquim toma posse na quinta-feira 22.

Nada deve empanar o brilho da posse de Joaquim Barbosa no STF. Trata-se não só do primeiro negro a ocupar a presidência da mais alta Corte do País, é o primeiro negro a ocupar um cargo na cima do Poder no Brasil. A presidência do Supremo é um dos três cargos mais importantes em um sistema tripartite: os outros dois são o presidente do Congresso (Legislativo) e o presidente da República (Executivo). Em caso de impedimento do presidente da República, o chefe do Judiciário é o quarto na linha sucessória. Nunca houve, portanto, um cidadão negro em posição tão importante no País. É preciso comemorar, não importam as divergências com o ministro.

Quando, em 2003, o presidente Lula indicou Barbosa para o STF, a iniciativa foi elogiadíssima. Mineiro de Paracatu, o futuro ministro, então procurador federal, havia tido uma trajetória fulgurante: foi gráfico no Senado, oficial de chancelaria no Itamaraty, assessor jurídico do Serpro e consultor jurídico do Ministério da Saúde. Barbosa se formou em Direito pela Universidade de Brasília e é mestre e doutor em Direito público pela Universidade de Paris-2. Considerado um dos principais defensores da adoção do sistema de cotas nas universidades, não se salvou de ouvir dos jornalistas, na época, a pergunta de que iria ser membro da “bancada governista” no Supremo.

A intenção de Lula, tanto no STF quanto na Procuradoria-Geral, foi fazer o contrário de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, e atender aos pedidos do Ministério Público para que este fosse independente. Não podemos esquecer que, com FHC no cargo, o procurador-geral era conhecido pelo epíteto de “engavetador-geral”. O Judiciário independente que o PT pregava antes de chegar ao poder e que se consolidou com a maioria das indicações feitas por Lula quando presidente, personifica-se na figura de Joaquim Barbosa. Exigir o contrário dele só porque Lula o indicou seria exigir-lhe servilismo. E servil é uma palavra que não orna com Barbosa.

Tenho certeza que sua presença como presidente do Supremo, saudada neste momento pelos poderosos de direita, não continuará a ser tão confortável daqui para a frente. Assim como incomodou agora os poderosos ditos de esquerda, mais adiante Joaquim irá cutucar outros. A mão pesada que o ministro demonstrou no episódio do chamado mensalão não será, tenho certeza, ocasião única e de um lado só. Muitos dos que agora aplaudem Joaquim Barbosa por haver punido membros do PT terão razões para lamentar sua presença na presidência do Supremo, estou segura.

A entrevista da jornalista Monica Bergamo com o ministro, publicada em outubro pela Folha de S.Paulo, foi elucidativa por vários motivos. O mais importante deles, para mim, foi esclarecer o espectro ideológico por onde se move Joaquim Barbosa. Ao contrário do que muitos, da esquerda e da direita, gostariam de acreditar, percebe-se que Joaquim não é um conservador. Pelo contrário. Se eu fosse arriscar o partido que goza da simpatia do ministro atualmente, diria que é o PSOL, saído da costela do PT justamente durante a crise do chamado “mensalão”.

Na entrevista, Barbosa declarou seu voto em Lula em 2002 e em 2006, e em Dilma, em 2010. E negou que, mesmo após o escândalo, tivesse se arrependido disso, diante dos “avanços inegáveis” dos últimos dez anos. A quem insinuava que estava seduzido pela mídia, o ministro também bateu nela, e duro. “A imprensa brasileira é toda ela branca, conservadora. O empresariado, idem. Todas as engrenagens de comando no Brasil estão nas mãos de pessoas brancas e conservadoras”, disse.

As frases de Barbosa foram, de certa forma, um tapa de luva nos auto-denominados “esquerdistas” que o atacam desde agosto por conta do julgamento do mensalão. É normal que sobretudo petistas achem que o relator exagerou na dose –para não falar na dosimetria. O que não é normal, é triste e vexaminoso é a apelação à cor da pele de Joaquim Barbosa por parte de gente, repito, que se pretende “de esquerda”. Não podendo diminuí-lo profissionalmente, já que o ministro possui um currículo brilhante, apelam para a questão racial. Nas redes sociais (sinto até vergonha alheia por ter de escrever isso), Barbosa chegou a ser chamado de “capitão-do-mato”, aquele negro que localizava os escravos fugitivos. Triste: estas pessoas são as mesmas que se indignaram quando o presidente Lula foi agredido no Twitter e Facebook por ser nordestino.

Não foram os únicos. Os que agora elogiam o ministro como “herói” já o chamaram de arrogante e insinuaram que era preguiçoso por não comparecer às sessões do Supremo por causa de dores nas costas. A revista que trouxe Joaquim Barbosa na capa agora, dois anos atrás o criticava por frequentar botecos de Brasília e até jogar futebol nos fins-de-semana enquanto estava de licença médica. Comparou-o, inclusive, com o falecido ministro Menezes Direito, que, “mesmo doente”, trabalhava. Menos mal que o ministro Barbosa deixou claro que não se deixa seduzir pela mídia branca e conservadora.

A mensagem racista subliminar tanto no uso do termo “arrogante” quanto nas insinuações de “preguiça” do ministro remontam à figura do “preto ousado” ou do “preto preguiçoso”, de utilização comum para atingir os negros desde os tempos do cativeiro. Somente no dia em que as críticas a um desafeto não fizerem referência alguma, direta ou velada, à cor de sua pele, o Brasil terá superado o racismo.

O novo presidente do Supremo é, quer queiram, quer não, a figura máxima deste Dia Nacional da Consciência Negra. Qualquer comemoração terá que passar por ele. Trata-se de um acontecimento histórico sem precedentes, é preciso deixar as diferenças de lado para celebrar. Joaquim Barbosa é, sim, um exemplo para qualquer menino e menina negros deste país. Espelhem-se nele, crianças. Vale a pena. Salve Joaquim, Axé Barbosa.

Outros artigos de Cynara podem ser lidos no site: http://www.socialistamorena.com.br

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

CARTA ABERTA AO BRASIL






JOSÉ GENUÍNO

Eles passarão, eu passarinho.
Mário Quintana


Dizem, no Brasil, que as decisões do Supremo Tribunal Federal não se discutem, apenas são cumpridas. Devem ser assumidas, portanto, como verdades irrefutáveis. Discordo. Reservo-me o direito de discutir, aberta e democraticamente com todos os cidadãos do meu país, a sentença que me foi imposta e que serei obrigado a cumprir.

Estou indignado. Uma injustiça monumental foi cometida!


A Corte errou. A Corte foi, sobretudo, injusta. Condenou um inocente. Condenou-me sem provas. Com efeito, baseada na teoria do domínio funcional do fato, que, nessas paragens de teorias mal-digeridas, se transformou na tirania da hipótese pré-estabelecida, construiu-se uma acusação escabrosa que pôde prescindir de evidências, testemunhas e provas.
Sem provas para me condenar, basearam-se na circunstância de eu ter sido presidente do PT. Isso é o suficiente? É o suficiente para fazerem tabula rasa de todo uma vida dedicada, com grande sacrifício pessoal, à causa da democracia e a um projeto político que vem libertando o Brasil da desigualdade e da injustiça.
Pouco importa se não houve compra de votos. A tirania da hipótese pré-estabelecida se encarrega de “provar” o que não houve. Pouco importa se eu não cuidava das questões financeiras do partido. A tirania da hipótese pré-estabelecida se encarrega de afirmar o contrário. Pouco importa se, após mais de 40 anos de política, o meu patrimônio pessoal continua o de um modesto cidadão de classe média. Esta tirania afirma, contra todas as evidências, que não posso ser probo.
Nesse julgamento, transformaram ficção em realidade. Quanto maior a posição do sujeito na estrutura do poder, maior sua culpa. Se o indivíduo tinha uma posição de destaque, ele tinha de ter conhecimento do suposto crime e condições de encobrir evidências e provas. Portanto, quanto menos provas e evidências contra ele, maior é a determinação de condená-lo. Trata-se de uma brutal inversão dos valores básicos da Justiça e de uma criminalização da política.
Esse julgamento ocorre em meio a uma diuturna e sistemática campanha de ódio contra o meu partido e contra um projeto político exitoso, que incomoda setores reacionários incrustados em parcelas dos meios de comunicação, do sistema de justiça e das forças políticas que nunca aceitaram a nossa vitória. Nessas condições, como ter um julgamento justo e isento? Como esperar um julgamento sereno, no momento em que juízes são pautados por comentaristas políticos?
Além de fazer coincidir matematicamente o julgamento com as eleições.
Mas não se enganem. Na realidade, a minha condenação é a tentativa de condenar todo um partido, todo um projeto político que vem mudando, para melhor, o Brasil. Sobretudo para os que mais precisam.
Mas eles fracassarão. O julgamento da população sempre nos favorecerá, pois ela sabe reconhecer quem trabalha por seus justos interesses. Ela também sabe reconhecer a hipocrisia dos moralistas de ocasião.
Retiro-me do governo com a consciência dos inocentes. Não me envergonho de nada. Continuarei a lutar com todas as minhas forças por um Brasil melhor, mais justo e soberano, como sempre fiz.
Essa é a história dos apaixonados pelo Brasil que decidiram, em plena ditadura, fundar um partido que se propôs a mudar o país, vencendo o medo. E conseguiram. E, para desgosto de alguns, conseguirão. Sempre.
São Paulo, 10 de outubro de 2012.
José Genoino Neto