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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Microcefalia: o zika virus é realmente o vilão?

Por Paulo Franco

Qual será a verdadeira causa do recente surto de microcefalia que vem ocorrendo na America Latina, principalmente no Brasil e alguns países da América Latina? 

SÍNTESE DO PROBLEMA

O que é a microcefalia? 


Há muito pouco tempo atrás,  ninguém sabia o que estava acontecendo, todos estavam perplexos, principalmente médicos e epidemiologistas. "Estamos diante de algo desconhecido", disse Vera Magalhães, professora titular de doenças infecciosas da Unifep (Universidade Federal de Pernambuco).

Logo em seguida começaram surgir especulações do que estava acontecendo e as causas dos problemas.  Atualmente já se sabe que está ocorrendo um surto de má formação do Sistema Nervoso Central (SNC), 

A causa mais provável é a contaminação pelo zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes Egypt - o mesm que transmite a dengue e chycungunha - já que ocorria ocorria simultaneamente uma epidemia do vírus no Brasil, mais precisamente na região nordeste, com uma acentuação maior no estado de Pernambuco. 

As estatísticas da contaminação dos vírus da Dengue, Zika e Chycungunha não são precisas, por diversos motivos.  Primeiro porque o Brasil só conhecia o vírus da Dengue, em segundo lugar porque os sintomas são parecidos, em terceiro, como os sintomas da contaminação pelo zika vírus são mais "suaves" do que da dengue, donde se conclui que muitas pessoas não procuraram atendimento, visto que o tratamento é, em geral, simples, basicamente hidratação, repouso. 

Desta maneira muitos registros de dengue pode ser na verdade uma contaminação por zika, nos casos em que o paciente não foi submetido a exames laboratoriais e o quadro clínico da zika ainda era de pouco conhecimento pelos profissionais de saúde. 

Se não temos, pelo menos eu até o momento, números melhores sobre a contaminação da população pelo zika vírus, pelo menos sabemos que foram confirmados 462 casos de microcefalia ou má formação do sistema nervoso central, dos quais 41 associados ao zika vírus.   Há ainda quase 4.000 casos suspeitos sendo investigados.

41 casos de microcefalia,  supostamente relacionados ao zika vírus, dentre o total de 462 casos identificados representa apenas  9% o que já não parece ser uma proporção tão elevada. O problema se complica na ausência da informação de quantas gráfidas foram infectadas com o zika vírus.  Provavelmente, muitas grávidas não notificaram sua doença, já que os sintomas são menos agressivos do que a dengue.  Se o número de gravidas infectadas for grande, a proporção cairia mais ainda, mas se o número de grávidas infectadas for pequeno, então a proporção dos casos confirmados aumenta de relevancia.  

Tudo depende da qualidade das informações para que se tenha um quadro melhor da situação.  É fundamental que as autoridades providencie paralelamente, um planejamento de pesquisa, com uma metodologia rigorosa, dentre as quais, um levantamento de todas as mulheres que ficaram gráfidas nesses período, colher material para identificar se foram infectadas pelo virus, na época do desenvolvimento do feto. entre outras providências protocolares. 

OCORRÊNCIAS EM OUTROS PAÍSES



















Uganda
O vírus foi isolado e patenteado pela primeira vez em 1947 por pesquisadores da Fundação Rockefeller (Dr. Jordi Casals)[17] de um macaco-reso (Macaca mulatta) na floresta de Zika na República de Uganda, África.

Ironicamente o pais onde foi descoberto o vírus só há registro de dois casos de contaminação até hoje.  Lá o veículo transmissor, o Aedes Aegypt é de uma espécie que não gosta do sangue humano como o nosso Aedes Aegypt.

Nigéria e outros países da África e Ásia
O virus foi isolado pela primeira vez em humanos em 1968, na Nigéria. De 1951 a 1981, evidências de infecção humana foram reportadas em outras nações africanas como Tanzânia, Egito, República Centro-Africana, Serra Leoa e Gabão, assim como em partes da Ásia incluindo Índia, Paquistão, Malásia, Filipinas,Tailândia, Vietnã e Indonésia.

Micronésia
A Micronésia, mais precisamente, no distante e isolado arquipélago de Yap, em 2007 o vírus foi detectado a partir de um surto de sintomas que pareciam ser dengue, mas depois foi identificado como sendo zika.  Segundo estimativas, 73% da população foi infectada, sendo confirmados 47 casos de 59 prováveis.  

A população do arquipélago é de pouco mais de 6.300 habitantes, mostrando uma grande distancia entre os números de casos da doença registrada (47) e do número de pessoas infectadas (73% ou 4.600).  Esse cenário sugere duas alternativas, ou o número pessoas infectados não seja realmente os 73% ou o número de caso seja muito superior ao registrado.  Essa segunda hipótese é mais plausível, pois há possibilidade de que muitas pessoas não tenha procurado ajuda médica. Mas pode ser que as duas coisas tenham ocorrido.

Não há registro de grávidas infectadas e nem da ocorrência de casos de má formação do SNC, mas deve ser ressaltado que o fato de não haver registros, não indica que não houve a ocorrência.  

Polinésia Francesa
A Polinésia, detectado em 2013,  teve uma epidemia de zika basicamente em 2013 e 2014.  Não houve registro de microcefalia, mas houve casos 17 casos de má-formação congênita do sistema nervoso central (SNC).

As autoridades de saúde não relacionaram os problemas de má formação congênita ao zika, somente após o caso brasileiro é que eles despertaram e passaram a considerar o zika como responsável.  Em testes com 4 casos, as agráfidas não apresentaram resultados positivos para o zika, mas sim para um flavivírus, que é da mesma família. 


Cabo Verde
Cabo Verde apresentou mais de 7.000 casos de zika vírus, só no período de outubro de 2015 até janeiro de 2016.  Foram identificadas 40 mulheres grávidas portadoras do zika vírus.

Não foi registrado nenhum caso de microcefalia


Colômbia

A Colômbia registrou, a partir de 2015 cerca de 25.000 casos de contaminação com o zika vírus.  Dentre esses casos, mais de 3.000 casos foram diagnosticados em mulheres gráficas.  Mas não houve nenhum registro de ocorrência de microcefalia.


INFORMAÇÕES PARA REFLEXÃO



  • O Instituto Carlos Chagas, da Fiocruz Paraná, confirmou que o vírus zika é capaz de atravessar a placenta durante a gestação. A análise foi feita a partir de amostras de uma paciente do Nordeste que sofreu um aborto retido –quando o feto deixa de se desenvolver dentro do útero– durante o primeiro trimestre de gravidez.  
  • Na Universidade da Ljubljana, na Eslovênia, pesquisadores encontraram altos níveis de carga viral nas células cerebrais de um feto microcefálico, abortado por uma mulher eslovena que trabalhou por um período no Brasil.  Os pesquisadores, reconhecem que o achado são as evidências mais fortes até então encontradas, mas reconhecem não são provas suficientes para "bater o martelo" para determinar que o zika virus causa microcefalia.
  • É a primeira vez que se identifica material genético de um vírus no tecido da placenta. O achado confirma a transmissão do vírus via placenta, segundo os pesquisadores. 
  • A Reduas - Rede Universitária para o Meio Ambiente e Saude da Universidade de Córdoba na Argentina, divulgou um comunicado onde defende que a causa da má formação do SNC, incluindo a microcefalia, é a substância química Pyroproxyfen, um larvicida, usada pelas autoridades de saúde brasileiras no abastecimento de água, onde o surto da epidemia é alta e o controle de foco de reprodução é dificil e com pouco sucesso.   
  • A Abrasco, Associação Brasileira de Saúde Coletiva, teria manifestado apoio ao relatória da organização argentina, ipsis literis.  Tanto a Reduas como a Abrasco seriam contra o uso intensivo dessa substância, tanto diretamente na água como na pulverização,  alertando para os riscos que podem representar.  Todavia a própria Abrasco, já desmentiu essa notícia veiculada na imprensa, alegando um mal entendido e negando a relação entre microcefalia e o larvicida.
  • A US EPA - United States Environmental Protection Agency, divulgou estudo, usando embriões de Rhinella Arenarum (sapo-boi) onde o herbicida 2,4-D mostrou ser 10 vezes mais tóxico, altamente teratogênico, causando entre outros males, a microcefalia.
  • O zika vírus foi descoberto pela equipe de pesquisadores da Fundação Rockfeller em 1947, quando pesquisava vírus que causam a Febre Amarela, em 1947, na floresta Zika em Uganda.  A fundação patenteou o virus e é até hoje a proprietária do vírus.  Ela mantem os microorganismos em cultura para ser vendidos a quem se interessar - governos, universidades, empresas, etc. 
  • A empresa britânica de biotecnologia Oxitec produz insetos geneticamente modificados para atuar na prevenção de epidemias.  Ela inaugurou uma unidade em Campinas-SP, onde produz cerca de 2 milhões de insetos por semana. Algumas localidades do NE estão convivendo com 3 a 4 tipos de Aedes Egypt que foram soltos pela empresa. 


EFEITO MANADA E O DESPREZO PELA METODOLOGIA CIENTÍFICA

Já é sabido que o subjetivismo é uma característica mais presente nos seres humanos do que um ceticismo, um tratamento mais racional e lógico, no dia a dia, inclusive nas nossas atividades profissionais, principalmente quando o tempo é uma variável determinante. A medicina não foge desse padrão.

Mas também sabemos que o uso de  "evidências empíricas" é um dos maiores problemas para a determinação de uma solução de um problema.  O problema torna-se mais grave com a qualidade de nossa imprensa, onde vemos uma afirmação leviana como a da Revista Veja: "A relação entre Zika e microcefalia fetal está 100% comprovada, o Ministério da Saúde confirmou o fato após detectar o vírus em um bebê com microcefalia que foi a óbito".  E há umas autoridades que nos fazem arrepiar, como o Diretor da OPAS/ONU que diz: "não tenho dúvida do elo entre zika e microcefalia".

A gravidade, a velocidade e a abrangência do problema são fatores que estimulam exponencialmente a ocorrência do efeito manada.  Uma pessoa fala uma coisa, outra assume aquela fala e complementa, na mesma direção.

Qualquer evidência, por menor que seja, apontando na mesma direção, é suficiente para o reforço do comportamento dos envolvidos no problema.

A postura dos pesquisadores eslovenos que encontraram material genético no cérebro de um feto microcefálico, foi mais comedida, ao dizer que havia encontrado a evidência mais forte até o momento, mas não poderia "bater o martelo" na relação causal da zika com a microcefalia.

O que vemos é um desprezo pela metodologia científica.  É inaceitável que autoridades e profissionais da saúde, assumam essa relação sem uma pesquisa com o uso rigoroso de uma metodologia científica, com controle laboratorial, amostragens representativas, testes de hipóteses, etc.

Não há nada mais comum do que conclusões baseadas em "evidências empíricas" serem refutadas posteriormente após serem submetidas aos testes científicos.   Cada caso é um caso, mas sempre são enormes os prejuízos causados por decisões tomadas erradamente, tanto de natureza financeira, como à saúde.

Dentre todas as informações levantadas até agora, as mais frágeis são aquelas que defendem o larvicida Pyroprofen como causa da Microcefalia.  Os relatórios apresentados parecem mais uma defesa ideológica do que uma verdade científica.  Não há nenhuma pesquisa que dê respaldo à tese defendida.  Na verdade nem evidências empíricas existem.

O médico e professor Luis Cláudio Correia, aborda de forma objetiva e muito didática, a questão da ausência de ceticismo e do uso de metodologia científica (hipótese nula).




ALGUNS QUESTIONAMENTOS INEVITÁVEIS

  • O zika vírus é realmente o agente causador dos casos de microcefalia no Nordeste brasileiros? 
  • O produto Pyroproxyfen pode ou não ser o verdadeiro agente causador de microcefalia no Brasil? 
  • A ocorrência simultanea de Microcefalia e a epidemia de zika vírus poderia ser apenas um coincidência ao invés de uma relação de causalidade? 
  • O surto de microcefalia no nordeste brasileiro poderia ser consequência de alguma variável não identificada até o momento como o  larvicida Pyroproxyfen ou o herbicida 2,4-D? 
  • O zika vírus no Brasil poderia ser um mutante decorrentes, intencional ou não, de testes feitos pelos laboratórios da Fundação Rockfeller. 
  • Os insetos modificados, comercializados pela Oxytec poderia ter algum influência negativa em todos esse imbróglio mosquito, vírus, microcefalia? 
  • As evidências descritas pelos pesquisadores da Eslovênia e  pelos pesquisadores da Fiocruz do Paraná, dispensam a realização de ensaios clínicos, com uso de testes hipoteses para determinar que o zika vírus é agente causador de microcefalia?
  • Quanto é significativa o número de microcefalisas, vis a vis o número de mulheres grávidas infectadas pelo zika vírus dada a fragilidade dos dados disponíveis?  
  • Quais fatores explicam a existência do surto de microcefalia no caso brasileiro e a inexistência de surto de microcefalia nos casos de Cabo Verde e Colômbia? 
As evidências a favor da causalidade do zika vírus vem se fortalecendo, mas estamos longe de afirmar isso com segurança que o problema exige.   Há que se proceder um aumento do estoque de informações e iniciar tanto quanto possível, um processo mais rigoroso de investigação científica, obedecendo os protocóloss internacionais de pesquisa nessa área do conhecimento.

Referências:
BBC: Polinésia Francesa também investiga má-formação de fetos após epidemia de zika
BBC: Brasil deve se preparar para zika endêmica, dizem cientistas 
BBC: Abrasco desmente que tenha dito que haja ligação entre Microcefalia e Larvicida
Biologia TotalGenoma do Zika é identificado no cérebro de um feto com microcefalia!
Carta Maior: Nota técnica da Abrasco sobre microcefalia e doenças relacionadas ao Aedes aegypti
Environmental Toxicology: Volume 26, Issue 4, pages 373–381, August 2011
ÉPOCA: Governo do RS suspende larvicida Pyriproxyfen
Folha de SP: Vírus zika consegue ultrapassar a placenta na gestação, confirma análise 
Medicina Baseada em Evidências: Luis C. Correia - Princípio da Hipótese Nula
ReduasReport from Physicians in the Crop-Sprayed Town regarding Dengue-Zika, microcephaly, and massive spraying with chemical poisons
Voa Portugês: Cabo Verde com mais de sete mil casos de zika, mas sem microcefalia 
Yahoo news: Colômbia, 3.177 pregnant women with Zika; no microcephaly 


terça-feira, 17 de novembro de 2015

Žižek: O ateísmo é um legado pelo qual vale a pena lutar

Por Slavoj Žižek
"A única maneira de demonstrar verdadeiro respeito a Deus é agir moralmente ignorando sua existência." (David Hume)

No contexto do lançamento do aguardado O absoluto frágil, ou, porque vale a pena lutar pelo legado cristão, de Slavoj Žižek, recuperamos este artigo do filósofo esloveno que procura reabilitar, da perversa ética multiculturalista do capitalismo contemporâneo, o núcleo emancipatório do ateísmo. Ao invés de se relacionar de forma exterior com a religião – sucumbindo assim à armadilha da “tolerância” –, Žižek subverte a abordagem e propõe levarmos a crença a sério e cobrar dos crentes a responsabilidade sobre aquilo em que creem. É esta perspectiva avessa ao lugar comum que anima também O absoluto frágil, um ensaio explosivo que defende uma aproximação entre o cristianismo e o marxismo num projeto político emancipatório renovado. Nas palavras do esloveno: “O primeiro paradoxo da crítica materialista da religião é este: às vezes é muito mais subversivo destruir a religião a partir de dentro, aceitando sua premissa básica para depois revelar suas consequências inesperadas, do que negar por completo a existência de Deus.” Confira!

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Por séculos, nos foi dito que sem religião não somos mais do que animais egoístas lutando pelo nosso quinhão, nossa única moralidade a de uma matilha de lobos; apenas a religião, dizem, pode nos elevar a um nível espiritual mais alto. Hoje, quando a religião emerge como a fonte de violência homicida ao redor do mundo, garantias de que fundamentalistas cristãos ou muçulmanos ou hinduístas estão apenas abusando e pervertendo as nobres mensagens espirituais de seus credos soam cada vez mais vazias. Que tal restaurar a dignidade do ateísmo, um dos maiores legados da Europa e talvez nossa única chance de paz?
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Mais de um século atrás, em Os Irmãos Karamazov e outras obras, Dostoiévski alertava sobre os perigos de um niilismo moral sem deus, defendendo essencialmente que, se Deus não existe, então tudo é permitido. O filósofo francês André Glucksmann até mesmo aplicou a crítica de Dostoiévski do niilismo sem deus ao 11 de setembro, como sugere o título de seu livro, Dostoiévski em Manhattan.

O argumento não poderia estar mais errado: A lição do terrorismo atual é que, se Deus existe, então tudo, incluindo explodir milhares de espectadores inocentes, é permitido – pelo menos àqueles que alegam agir diretamente em nome de Deus, já que, claramente, uma ligação direta com Deus justifica a violação de quaisquer refreamentos e considerações meramente humanos. Resumindo, os fundamentalistas não se tornaram diferentes dos comunistas Stalinistas “sem deus”, para os quais tudo foi permitido, já que viam a si mesmos como instrumentos diretos de sua divindade, a Necessidade Histórica do Progresso em Direção ao Comunismo.

Fundamentalistas fazem o que veem como boas ações de forma a satisfazer o desejo de Deus e ganhar a salvação; ateus o fazem simplesmente porque é a coisa certa a fazer. Não seria essa também nossa experiência mais elementar de moralidade? Quando faço uma boa ação, não a faço visando ganhar um favor de Deus; faço porque, se não fizesse, não poderia me olhar no espelho. Uma atitude moral é por definição sua própria recompensa. David Hume argumentou isso pungentemente quando escreveu que a única maneira de demonstrar verdadeiro respeito a Deus é agir moralmente ignorando sua existência.

Dez anos atrás, Europeus debatiam se o preâmbulo da Constituição Europeia deveria mencionar o cristianismo. Como de costume, um meio termo foi arranjado, uma referência em termos gerais à “herança religiosa” da Europa. Mas onde estava o legado mais precioso da Europa, o do ateísmo? O que faz da Europa moderna única é que ela é a primeira e única civilização em que o ateísmo é uma opção plenamente legítima, e não um obstáculo a qualquer posição pública.

O ateísmo é um legado europeu pelo qual vale a pena lutar, não menos por criar um espaço público seguro para os que creem. Considere o debate que inflamou-se em Ljubljana, a capital da Eslovênia, meu país natal, conforme a controvérsia constitucional fervia: muçulmanos (em sua maioria trabalhadores imigrantes das antigas repúblicas Iugoslavas) devem ter permissão para construir uma mesquita? Enquanto os conservadores opunham-se à mesquita por razões culturais, políticas e até arquitetônicas, a revista semanal liberal Mladina foi consistentemente explícita em seu apoio à mesquita, em continuar com suas preocupações pelos direitos daqueles que vinham de outras antigas repúblicas Iugoslavas.

Não surpreendentemente, dadas as atitudes liberais, Mladina também foi uma das poucas publicações eslovenas a republicar as caricaturas de Maomé. E, reciprocamente, aqueles que demonstraram maior “compreensão” pelos violentos protestos muçulmanos causados por aqueles cartuns foram também aqueles que regularmente expressavam sua preocupação com o futuro do cristianismo na Europa.

Estas alianças estranhas confrontam os muçulmanos da Europa com uma escolha difícil: A única força política que não os reduz a cidadãos de segunda classe e os concede o espaço para expressar sua identidade religiosa são liberais ateus “sem deus”, enquanto aqueles mais próximos a suas práticas religiosas sociais, seu reflexo cristão, são seus maiores inimigos políticos.

O paradoxo é que os únicos verdadeiros aliados dos muçulmanos não são aqueles que primeiramente publicaram as caricaturas para chocar, mas aqueles que, em defesa do ideal da liberdade de expressão, republicaram-nas.

Enquanto um verdadeiro ateu não tem necessidade de apoiar sua própria posição provocando crentes com blasfêmia, ele também se recusa a reduzir o problema das caricaturas de Maomé ao respeito às crenças de outras pessoas. O respeito às crenças dos outros como o valor maior só pode significar uma de duas coisas: Ou tratamos o outro de forma condescendente, evitando magoá-lo para não arruinar suas ilusões, ou adotamos a posição relativista de vários “regimes da verdade”, desqualificando como imposição violenta qualquer posição clara em relação à verdade.

Mas que tal submeter o Islã – junto com todas as outras religiões – a uma respeitosa, mas por isso mesmo não menos implacável, análise crítica? Essa, e apenas essa, é a maneira de mostrar verdadeiro respeito aos muçulmanos: tratá-los como adultos responsáveis por suas crenças.

* Publicado originalmente em inglês no The New York Times em 13 de março de 2006. A tradução, ligeiramente modificada, é de Ale GM para o Bule Voador.
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Blog da Boitempo