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terça-feira, 13 de outubro de 2020

Livro do Antropólogo Luiz Eduardo Soares traduz o fascismo do século 21 ‘a la Bolsonaro’

Por Claudio Motta

Em seu mais recente livro, o antropólogo Luiz Eduardo Soares faz um diagnóstico preciso do governo e da sociedade que emerge sob o fascismo bolsonarista



O antropólogo Luiz Eduardo Soares não tem dúvida. O Brasil vive sob o fascismo desde a eleição de Jair Bolsonaro. O cientista político é um dos mais importantes especialistas em segurança pública do país. E conhece a obra de Bolsonaro de longa data. Foi subsecretário de Segurança e Coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do Rio de Janeiro, de 1999 a 2000, onde Bolsonaro e seus filhos construíram a trajetória política. Em seu mais recente livro, Dentro da Noite Feroz – O Fascismo no Brasil (Boitempo Editorial), Soares faz um diagnóstico preciso desse governo e da sociedade que emerge sob o fascismo em tempos de Bolsonaro. Uma obra essencial para quem quer entender esse Brasil em que estamos vivendo. O e-book está disponível nas lojas Amazon, Apple, Google e Kobo.

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Escritor, dramaturgo e pós-doutor em Filosofia Política, Luiz Eduardo Soares é autor e coautor de dezenas de livros. Inclusive os best-sellers Elite da Tropa 1 e 2, que deram origem ao filme Tropa de

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Eu, Judeu, Não Perdoarei

Por Marcelo Gruman



Para mim, era inadmissível. Era inadmissível que um clube judaico abrisse voluntariamente, em nome da “liberdade de expressão”, suas portas a um candidato postulante ao mais alto cargo do poder executivo da República que sempre se orgulhou em demonstrar publicamente seu desprezo pela democracia, que homenageou, na tribuna da Câmara dos Deputados, um notório torturador, que vilipendiou a memória de um jornalista judeu assassinado nos porões da ditadura militar, que sempre fez questão de dizer que Direitos Humanos servem tão somente pra proteger “vagabundo” e pregou um cartaz na porta de seu gabinete, em Brasília, quando era deputado federal, onde se lia “Desaparecidos do Araguaia. Quem procura osso é cachorro”. Que disse, a uma colega, numa demonstração explícita de machismo e misoginia, não merecer sequer ser estuprada “por ser muito feia”.

sábado, 16 de novembro de 2019

A teoria freudiana e o padrão da propaganda fascista

Por Theodor W. Adorno


A dialética do feminino em Theodor W. Adorno ou: “a própria mulher é já o efeito do chicote”?


Durante a última década, a natureza e o conteúdo dos discursos e panfletos de agitadores fascistas americanos foram submetidos à pesquisa intensiva de cientistas sociais. Alguns desses estudos, realizados segundo as linhas da análise de conteúdo, resultaram numa exposição abrangente [que se encontra] no livro Prophets of deceit, de L. Löwenthal e N. Guterman1. A imagem global obtida é caracterizada por dois traços principais. Em primeiro lugar, com a exceção de algumas recomendações bizarras e completamente negativas – confinar estrangeiros em campos de concentração ou expatriar sionistas –, o material de propaganda fascista nesse país preocupa-se pouco com questões políticas concretas e tangíveis. A maioria esmagadora das declarações dos agitadores é

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Em muitos países civilizados, os condutores da Lava Jato estariam presos, diz Desembargador

Por Marco Weissheimer


O discurso emocionado feito pelo desembargador Lédio Rosa de Andrade, magistrado no Tribunal de Justiça de Santa Cataria, na sessão fúnebre em homenagem ao reitor Luiz Carlos Cancellier, ganhou repercussão nacional ao denunciar a implantação de uma ditadura no Brasil e a ameaça do retorno do fascismo no país. Em sua fala, o desembargador fez, ao mesmo tempo, um alerta e uma convocação para enfrentar essa ameaça: “Esta noite fiquei a pensar quando a humanidade errou e não parou Hitler no momento certo, quando a humanidade errou e não parou Mussolini no momento certo… Eles estão de volta. Será que vamos errar de novo e vamos deixá-los tomar o poder? A democracia não permite descanso. Eles [os fascistas] estão de volta. Temos que pará-los”.

Desembargador Lédio Rosa de Andrade: “Estão sendo feitas verdadeiras barbaridades sob
o ponto de vista jurídico”. (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

Passados pouco mais de dois meses do trágico suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, a Polícia Federal segue realizando operações em universidades públicas, como ocorreu na

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Como Estado fascista está a serviço do desmonte da universidade laica

Por Luiz Carlos Bolzan



O Estado autoritário morista faz escola.

Neste 06/11/17, sem intimação prévia, representantes da UFMG foram alvos de condução coercitiva por parte da PF.

O mandato expedido pelo Judiciário foi solicitado pela Polícia Federal e executado pela própria PF.

Integrantes de uma fausta burocracia aristocrática, junto com, MPs, TCU e CGU, que se apropriou de assalto do Estado brasileiro, recebendo alguns inclusive, acima do teto constitucional, outros tendo 2 meses de férias por ano, outros ainda praticamente inimputáveis, apenas com penas de “aposentadoria”, sendo desejado este mesmo status por outras burocracias que se dizem “combatentes do crime”.


Há ainda entre estes, aqueles que reclamam direito sobre parte do butim da corrupção, um percentual do valor recuperado para ser usado sem nenhum controle ou fiscalização, e ainda alguns que usufruem do “direito” a abusivas “bolsas” para estudos seus, e de seus dependentes, para moradia, para alimentação, para viagens, etc, etc, etc.

A burocracia que não sabe diferenciar Hegel de Engels, que ao desdenhar da necessidade de provas transforma o direito em teologia para qual basta convicção e fé, que acelera descaradamente processos contra desafetos e senta sobre processos de apaniguados, é a “face dura do mal”.

Ela confraterniza escancaradamente com réus em regabofes de endinheirados se deixando fotografar ao pé do ouvido de chefes de quadrilhas, que pedem malas de dinheiros com agentes que “possam matar”, garantidora do golpe contra a sociedade civil, em especial trabalhadores assalariados, aposentados, trabalhadores com emprego informal, pequenos agricultores e desempregados.

Esta mesma burocracia cabeça de planilha decoradora de normas, que faz acordos ilegais com autoridades do exterior e acena em fugir do país sobre pretexto de estudar, caso seja desmascarada, é a que, despudoradamente, pede que o Poder Executivo tomado de corruptos e réus em processos, interfira no Supremo Tribunal Federal numa clara alusão à prática de impedir à justiça seu livre curso.

A burocracia nefasta sempre pronta a trair trabalhadores, desde que o capital garanta suas regalias, cega para helicópteros de cocaína, já ultrapassou a etapa de ser uma ameaça à democracia e aos direitos civis e sociais.

Se constitui numa abjeta realidade usurpadora e autoritária, custeada integralmente pela mesma sociedade civil à qual ela desrespeita e trai.

As exceções que integram este seleto corpo de burocratas chupins do dinheiro público, apenas confirmam a regra.

O Estado burguês é a fonte da corrupção, e não a solução.

“O poder corrompe. O poder absoluto corrompe absolutamente”.

Inebriada pelo poder que corrompe, a burocracia usa da força do Estado autoritário, sem freios, para impor suas vontades e convicções.

E a visão de mundo do autoritarismo estatal?

“Combater a corrupção e impunidade, dos outros, e defender a corporação acima de tudo”.

As exceções apenas confirmam a regra, visto que esta burocracia fanática atenta até mesmo contra integrantes da corporação, desde que eles denunciem o golpismo fascista, se assemelhando ao autoritarismo corporativo cientológico.

Não é novo. Talvez desconhecido.

Em tempos de internet e redes sociais, TVs e shows de voyeurismo e pancadaria travestida de esporte, muito pouco se recupera do que já foi dito muitos anos atrás.

Marx chamou atenção para o papel da burocracia que, ao lado das corporações privadas traçam planos e jogos para manter status quo, usando máquina estatal sempre em benefício do capital e de si próprios, parasitas estatais à serviço da “ordem” instituída, contra a sociedade civil, em especial a classe trabalhadora.

E não foi uma vez apenas.

Os alertas de Marx surgem explicitamente nos textos “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” (Hegel, por favor, Hegel!!), e Guerra Civil na França.

Marx não poupa críticas à máquina estatal burguesa, já em 1843, e depois em 1871.

Quase 175 anos depois do primeiro alerta de Marx, a sanha traidora segue com conluio entre burocracia de altos salários e corporações privadas.

Tacla Durán que o diga para quem quiser ouvir, mas não vem ao caso…

Aliás, nos perguntamos, qual a diferença entre quem corrompe com a força do dinheiro e quem corrompe com a força autoritária do Estado incontrolável, que desrespeita contrato social, porque “a literatura me permite”, ou porque “combatemos a corrupção”?

Apenas a forma de corromper e ser corrompido, pois a prática é a mesma, corrupção, doença social que deforma, deturpa e aliena.

Fácil entender o desdém pela filosofia, onde encontramos, dentre outros, Hegel e Engels.

É na filosofia que podemos desnudar em detalhes, a farsa da ética do Estado policialesco morista.

Ética da hipocrisia e estética embrutecida, escarnecedora, que finge não ter diferenças entre tratamentos dispensados às diferentes partes, mas que faz da perseguição aos discordantes sua constante, e da proteção aos interesses seus e dos aliados, seu imperativo categórico.

Afinal, porque barrar nomeação ao Supremo de candidato que se reuniu com políticos réus em barco no lago brasiliense?

Ou por que apurar morte de ministro do STF, então relator da lava jato e que admoestou publicamente juiz que vazou conversas da então presidenta da República e grampeou escritório de advogados?

Nem Hegel, nem Engels, nem Marx, nem Kant.

Nada que lampeje, apenas que rasteje.

O estado policialesco quer burlar a democracia, retirar do povo, senhor da política, a própria política, num ato vil de desapropriação estatal do que ao mundo privado pertence.

A burocracia estatal, como as corporações privadas detestam política.

Basta um concurso, a “meritocracia”, muito dinheiro e tudo se resolve.

Chega de votos! Chega de decisões populares! Chega de povo!

Chega de democracia, mesmo que seja esta pálida democracia representativa, bradam os “combatentes do crime” e seus parceiros de corporações privadas, que querem decidir pelo todo, desrespeitando a lei, a jurisprudência, a doutrina e a tradição, como lhes convém.

Para não deixar parecer mentira, dias atrás, o alcaide da capital gaúcha sentenciou: “as decisões importantes não podem ser tomadas por seu João e dona Maria. Devem ser tomadas pela elite da imprensa, dos negócios e da política”.

O sincericídio atucanado deve ser criticado, mas não por ser mentiroso ao ser fiel ao que pregam, o desdém pelo povo, pela coletividade e pela democracia. Mas pela desfaçatez contumaz de quem despreza o povo.

É esta elite que privatizou o Estado para seus próprios objetivos e dos interessados de fora.

MiShell não nos deixa mentir!

Estado sempre burguês, que na incerteza da viabilidade de seus candidatos (o hipertrofiador estatal que ataca tudo que adora armas, o astro das telinhas, ou o Opus Dei de plantão) cogita o parlamentarismo, sempre uma benção para interesses da burguesia, supervalorizado pela “moral ilibada” e “alta credibilidade” do Congresso Nacional, ou a inédita e hiperveloz decisão em segunda instância sobre processo do candidato pesadelo das elites.

Uma simples comparação.

O processo da Boate Kiss que envolve 242 mortes de jovens ocorrido em janeiro de 2013, ainda se arrasta pelos escaninhos da justiça.

Já o processo do pedalinho, do sítio do amigo, do cão mordido por cobra, do barco de lata e do tríplex sem escritura avança atendendo ao clamor dos barões da mídia e da canalha empuleirada na arte arquitetônica de Oscar.

Seria devaneio cogitar o crescimento em contas no exterior com titulares brasileiros, regada a propinas, desde abril de 2016?

Ou entrega do pré-sal, retomada do trabalho escravo, aumentos semanais nos combustíveis, perdões bilionários de dívidas, pressão para votação do fim da previdência pública, congelamento de orçamento da saúde e educação por vinte anos, seriam tudo “almoço grátis’?

A mesma burocracia que desfraldou a teoria do domínio do fato para condenar sem provas alto dirigente do governo eleito, diz que esta teoria não se aplica para caso de governador emplumado.

A burocracia de sangue azul que abre processo para apurar morte de cachorro da ex-presidenta em procedimento veterinário, é a mesma que não se estimula a apurar denúncia de propinas de empresas de tv para televisionamento de competições esportivas internacionais, evidenciadas em investigações fora do país.

Diante de tudo isto, o que é a condução coercitiva de reitores de universidades públicas brasileiras, sem negação prévia das vítimas da brutalidade estatal em comparecer para depoimento?

O sonho mblista?

O desejo ardente dos censuradores da doutrinária e partidária ‘escola sem partido’?

O “cala boca” dos manda chuvas do golpe no meio acadêmico universitário para não se atreverem a denunciar o entreguismo propineiro?

Seja o que for, certamente é nada para o estado policialesco moralista que livrou esposa de bandido que movimentou contas no exterior com dinheiro de propinas porque “ela não sabia”.

Na esteira do moralismo estatal, o fundamentalismo igrejeiro de padres e pastores ensandecidos contra a arte “perversa”, “suja”, ao melhor estilo do nazifascismo, encontrando abrigo para a canalhice medieval da “cura gay”.

Aliás, tudo bastante alinhado ao moralismo anticorrupção hitleriano que glorificava servidores públicos alemães no hipertrofiado e ditatorial estado alemão, ampliado após ascensão nazista, conforme descreve no seu “Minha Luta”, entre ataques a judeus, comunistas, negros, doentes, mulheres, eslavos…

Ou não seria este um ataque massivo da alta burocracia, braço estatal de teologias medievais, contra a ciência que obriga à crítica, representada pelas universidades públicas, que resistem ao entreguismo golpista?

O embate da fé e sua imutabilidade eterna que desdenha de provas, contra a ciência que as exige e sua necessária dialética.

Não é a defesa da besta estatal que deve ser feita, mas dos trabalhadores.

A besta pica traiçoeiramente e inocula sua peçonha, por natureza, como o escorpião que cruza o rio nas costas do sapo (barbudo?).

A lição deve ser aprendida definitivamente.

“A mão que balança o berço” é do povo, que não deve proteger quem a persegue, censura e mata.

Não basta reformar o Estado burguês moralista, pirotécnico e policialesco, deve ser denunciado e superado, ou a história se repetirá, como farsa, como tragédia e como burrice.
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Fonte: Viomundo

Luís Carlos Bolzan é psicólogo.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Boaventura de Sousa Santos: A difícil reinvenção da democracia frente ao fascismo social.

Por Ricardo Machado


“Para uns, a democracia realmente existente está de tal modo descaracterizada que só por inércia ou distração se pode considerar como tal. Vivemos em regimes autoritários que se disfarçam com um verniz democrático”


A democracia tornou-se uma daquelas palavras vazias de sentido. Como é usada para descrever tudo aquilo que não é um regime político autoritário, tendemos a não ver os tons de cinza entre o branco e negro. “Para uns, a democracia realmente existente está de tal modo descaracterizada que só por inércia ou distração se pode considerar como tal. Vivemos em regimes autoritários que se disfarçam com um verniz democrático”, aponta Boaventura de Sousa Santos, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. “Vivemos em democracias de baixa ou muito baixa intensidade que convivem com regimes sociais fascistas. Daí o meu diagnóstico de que vivemos em sociedades que são politicamente democráticas mas socialmente fascistas”, pontua.

O debate de Boaventura se insere na recente publicação de seu livro A difícil democracia. Reinventar as esquerdas (São Paulo: Boitempo, 2016). Para o sociólogo, as esquerdas precisam fazer uma profunda autocrítica e superar um modelo político baseado em conciliações com o grande capital. “Enquanto a esquerda não voltar a ter no horizonte uma alternativa pós-capitalista, chamemos-lhe socialismo ou outra coisa, o seu declínio continuará, dado que a direita é quem sabe gerir este capitalismo”, critica. Contudo, Boaventura aposta na radicalização da democracia como alternativa para as crises contemporâneas. “Para o Estado, ou algo que o substitua politicamente, poder agir contra o neoliberalismo, terá de passar por uma profunda transformação democrática”. E pondera, “a esquerda não deve aceitar ser poder na condição de esquecer ou renunciar ao que é.”

Boaventura de Sousa Santos é doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973), além de professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e distinguished legal scholar da Universidade de Wisconsin-Madison. Foi também global legal scholar da Universidade de Warwick e professor visitante do Birkbeck College da Universidade de Londres. É diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e coordenador científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. De sua vasta obra, destacamos Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos (São Paulo: Cortez Editora, 2013), A cor do tempo quando foge: uma história do presente – crônicas 1986-2013 (São Paulo: Cortez Editora, 2014), O direito dos oprimidos (2014) e A justiça popular em Cabo Verde (São Paulo: Cortez Editora, 2015).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Parafraseando a pergunta que abre o prefácio do seu livro A difícil democracia. Reinventar as esquerdas (2016), para onde vai a democracia?

Boaventura de Sousa Santos – O ideal democrático continua a captar a imaginação dos que aspiram a uma sociedade que combine a liberdade com a justiça social, mas na prática a democracia está cada vez mais longe deste ideal. Entre as opiniões que abordam este problema a partir da esquerda, há duas posições principais. Para uns, a democracia realmente existente está de tal modo descaracterizada que só por inércia ou distração se pode considerar como tal. Vivemos em regimes autoritários que se disfarçam com um verniz democrático. É, por exemplo, a posição de Alain Badiou. Para outros, entre os quais me incluo, vivemos em democracias de baixa ou muito baixa intensidade que convivem com regimes sociais fascistas. Daí o meu diagnóstico de que vivemos em sociedades que são politicamente democráticas mas socialmente fascistas.

Ambas as posições partem da mesma ideia de que a democracia liberal, que sempre conviveu com alguma tensão produtiva com o capitalismo, sobretudo desde a segunda guerra mundial, está a deixar desaparecer essa tensão e a acomodar-se cada vez mais às exigências do capitalismo. Estas, como se sabe, pressupõem que a acumulação de capital e a sua rentabilidade devem prevalecer sobre qualquer outro objetivo. A diferença entre as duas posições não resulta apenas de diagnósticos diferentes. Reside também no impacto das biografias dos autores que as propõem. Eu, por exemplo, vivi parte da minha idade adulta em Portugal numa ditadura, o Estado Novo de Oliveira Salazar, e tenho vivido intensamente o período posterior à Revolução dos Cravos em 1974. Os brasileiros e as brasileiras de mais idade viveram uma situação semelhante marcada pelo regresso da democracia em 1985.

Para mim, há diferenças significativas entre uma ditadura e uma democracia de baixa intensidade. Mesmo assim penso que a democracia liberal, para sobreviver à agressividade do capital global dos dias de hoje e ao modo como ele arrasta consigo novas formas de colonialismo e de patriarcado, terá de ser refundada a curto prazo, para o que se necessita de uma Assembleia Constituinte originária. Esta necessidade é hoje cada vez mais evidente quando vemos o que está a suceder no país que sempre se autodesignou como a democracia mais antiga e mais consolidada da nossa época, os EUA. É cada vez mais evidente que a fraude eleitoral é constitutiva desse país, tal como o é a influência do dinheiro no processo político, algo que está para além da corrupção porque está totalmente legalizado. O fenômeno Donald Trump é apenas um sintoma de algo muito mais profundo e mais perigoso.

Sem uma profunda refundação da democracia, poderemos chegar à conclusão a curto prazo de que não é possível corrigir por via democrática as distorções cada vez mais grotescas dos processos democráticos reais, como, por exemplo, o golpe parlamentar-mediático-judicial no Brasil que fez descer a qualidade da democracia brasileira de maneira dramática. Se era antes de baixa intensidade, é agora de baixíssima intensidade.

Quando se chegar à conclusão de que por via pacífica e democrática não é possível corrigir tais distorções, teremos chegado ao grau zero da democracia. Espero vivamente que tal nunca aconteça, mas isto tem mais a ver com o meu otimismo da vontade do que com o meu pessimismo da razão.

IHU On-Line - Como a União Europeia entende o conceito de democracia?

Boaventura de Sousa Santos – A União Europeia - UE enquanto sistema político e institucional é uma democracia de baixíssima intensidade. Primeiro, há um déficit democrático constitutivo na medida em que os órgãos com mais poder (Comissão, Eurogrupo, Banco Central Europeu) não foram eleitos pelos cidadãos europeus, nem estão sob qualquer controle democrático. O Parlamento Europeu, com os seus limitados poderes, é a outra face desta moeda. Só muito restritivamente se pode falar de cidadania europeia. Segundo, a UE é hoje um antro de neoliberalismo (que o digam os países latino-americanos que têm estado em negociações para tratados de livre comércio com a Europa) frontalmente hostil ao que foi a democracia de mais alta intensidade (mais equilíbrio entre liberdade e igualdade social) da Europa no pós-guerra e até o ano 2000. Se tivéssemos algumas dúvidas, elas seriam dissipadas ao vermos como o presidente da Comissão que conduziu a viragem neoliberal da Europa, o português [José Manuel] Durão Barroso, foi nomeado para presidente da Goldman Sachs quando terminou o seu mandato. Como sabemos, a Goldman Sachs é o patrão mundial do neoliberalismo a que ingenuamente chamamos “mercados”. Terceiro, a crise financeira de 2008, ao repercutir na Europa, fez com que se gerasse uma pulsão antidemocrática nas relações entre os países mais ricos da UE e os mais pobres. As exigências do capitalismo neoliberal vieram dar azo ao colonialismo interno na Europa, o que, não sendo novo, assumiu agora uma forma mais chocante por ter lugar no seio de uma comunidade política que se diz assentar na igualdade política dos parceiros.

Não devemos confundir a democracia da instituição UE com as democracias existentes a nível nacional nos países que a compõem. Aqui as diferenças são enormes e a vigência do neoliberalismo é mais matizada. A nível nacional vigora ainda em muitos países o modelo da social-democracia, ainda que muito descaracterizado. Entendo por social-democracia o modelo que vigorou na Europa, sobretudo depois de 1945, assente numa combinação entre altos níveis de produtividade e altos níveis de proteção social, com base numa regulação forte do capitalismo, uma tributação progressiva, nacionalização de setores estratégicos, direitos econômicos e sociais universais que permitiram às famílias trabalhadoras, pela primeira vez na história do capitalismo, planejarem a sua vida (mandar os filhos à universidade, comprar casa, pensar numa aposentadoria digna). Este modelo continua a vigorar com alguma intensidade nos países nórdicos; assume a forma de economia social de mercado na Alemanha; tem pouca vigência nos países do Leste Europeu; é uma total ruína na Inglaterra e na Grécia; está em sérias dificuldades na França e na Itália; nunca teve um pleno desenvolvimento na Espanha e em Portugal; e tem estado sob ataque por parte das instituições da UE.

IHU On-Line- De que forma os países europeus periféricos, como Portugal, Espanha e Grécia, se tornaram ameaças àquilo que a União Europeia entende como democracia?

Boaventura de Sousa Santos – É fácil de ver pelo que disse acima. O entendimento autoritário da democracia vigente na UE é de que não há qualquer solidariedade entre os países que a compõem e que só os países ricos da Europa se podem dar ao luxo de se beneficiar da proteção possibilitada pela social-democracia. A crise financeira da Grécia ter-se-ia resolvido muito facilmente se a coesão da UE fosse um valor mais importante que os créditos dos bancos alemães e franceses. Bastava mutualizar a dívida soberana da Grécia, que era coisa pouca comparada com o que veio depois. Portugal e Espanha sofreram o impacto por arrasto da Grécia (especulação financeira abutre do tipo da que se abateu no início do milênio na Argentina).

Como os fatos estão a mostrar, esses países, longe de serem uma ameaça para a democracia europeia, são sua garantia. Se tivesse tido êxito o que a Grécia pretendeu fazer e a UE proibiu, não teríamos o Brexit e o crescimento da extrema direita por toda Europa, uma vertigem política, oxigenada pela eleição de Trump, que põe em causa todos os princípios políticos que orientaram as democracias na Europa no pós-guerra.

Portugal é hoje a experiência política democrática mais brilhante da Europa dos últimos vinte anos. Um governo moderado de esquerda está a tentar mostrar que a vertigem neoliberal é destrutiva para o projeto europeu e para a democracia em geral e que há ainda na UE alguma virtualidade para travar o movimento suicida em que a Europa se deixou enredar. Este governo foi possível devido a uma união das forças de esquerda sem precedentes na história recente do país. Perante o descalabro reacionário que o país viveu entre 2011 e 2015, com um governo revanchista apostado em destruir tudo o que o país tinha conquistado depois de 1974, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda, que sempre consideraram o Partido Socialista um partido de direita, resolveram dar-lhe apoio parlamentar para tornar possível uma inversão, mesmo que limitada, nas políticas de austeridade. Esta experiência política inédita de unidade das forças políticas de esquerda pode ser um exemplo a ponderar no Brasil neste período difícil que atravessa. O governo português tem estado sempre sob ataque da UE, mas, em face do Brexit, começa a ser reconhecido como uma via possível para salvar o projeto europeu.

IHU On-Line - Como a lógica colonialista se mantém na perspectiva política da União Europeia?

Boaventura de Sousa Santos – O colonialismo interno na Europa tem uma longa duração histórica, como analisei no meu livro Portugal: Ensaio contra a Autoflagelação (São Paulo: Cortez, 2011). Em tempos mais recentes, a Grécia, Portugal e a Espanha foram autênticos protetorados alemães na medida em que o governo alemão interveio diretamente na política destes países com o objetivo de influenciar os eleitores. Quando a intervenção não foi direta, exerceu-se através da Comissão ou do Banco Central Europeu, liderado por um ex-CEO da Goldman Sachs. Mais do que imposição antidemocrática de disciplina financeira, trata-se de ver estes países com lentes colonialistas, como sejam os estereótipos — inferiores, descuidados, preguiçosos, pouco produtivos — os mesmos que os portugueses e espanhóis usaram para estigmatizar as populações sob o seu domínio colonial. Esta divisão entre um centro europeu e as suas periferias vem desde o século XIV e dura até hoje. A única periferia que conseguiu juntar-se ao centro foi a periferia nórdica. Todas as outras (leste, sul, sudoeste) continuam tão periféricas quanto antes.

IHU On-Line - Do que se trata o “projeto europeu como ruína”?

Boaventura de Sousa Santos – Desde o seu início, o projeto europeu teve dois impulsos e duas concepções: a do economista [Friedrich] von Hayek, para quem a UE era apenas um mercado comum, e a de [Charles] De Gaulle, para quem a UE era um projeto político destinado a criar uma paz duradoura e manter a Alemanha sob controle. Durante muito tempo parecia tratar-se de duas dimensões do mesmo projeto. Com o tempo a primeira concepção foi-se impondo ainda que a retórica fosse a do projeto político. Isto tornou-se evidente quando, com os novos países candidatos a entrar na UE, pôs-se a questão se se devia dar prioridade ao aprofundamento ou à extensão da UE. A opção foi sempre pela expansão, o que foi um sinal de que a prioridade era afinal o mercado interno e não a criação de uma comunidade política coesa. Os tratados que consolidaram esse mercado, sobretudo o que estabeleceu o euro, têm um recorte neoliberal muito claro, ainda que tal fato tivesse passado despercebido à maioria dos partidos políticos.

A criação da moeda única foi paralela à liberalização dos mercados, o que abria uma porta para os produtos da China, os quais não concorriam com os produtos alemães, mas certamente concorriam com os têxteis portugueses. A partir daí (cerca de 2000) estavam criadas as condições para a estagnação econômica dos países periféricos, o que veio a suceder. Quando a crise da Grécia eclodiu, passou a ser evidente que a coesão política era um verniz que estalava facilmente ante a lógica do mercado e do neoliberalismo. O modo como foi “resolvida” a crise grega (uma diminuição do PIB da ordem dos 25%) mostrou que a partir daí o projeto europeu era uma inércia mantida viva apenas pelo temor do caos do fim do euro.

Bruxelas, sede da UE, passou a ser o centro de uma disciplina financeira cega e autoritária, guiada pela Alemanha e pelos milhares de lobistas neoliberais que pululam como uma praga em redor das instituições (só a Google tem ao seu serviço 600 lobistas). Nenhum europeu comum se identifica com esta ditadura financeira que vai destruindo o que resta das classes médias europeias para alimentar os lucros dos bancos. O Brexit veio mostrar a fragilidade dessa inércia. E já se fala do Frexit, se a extrema direita ganhar as eleições na França, do Austrexit pelas mesmas razões na Áustria. Podem não ocorrer agora, mas se nada for feito para criar uma flexibilidade financeira interna que tome em conta o fato de estarmos perante economias nacionais muito diferentes com a mesma moeda, o euro colapsará e com ele a UE. Isto não quer dizer que outro projeto europeu não possa surgir, mas eu tenho certas dúvidas pelo menos enquanto os ventos continuarem a soprar a favor das bandeiras nacionalistas. 

IHU On-Line - De que maneira sociedades politicamente democráticas se transformam, ao mesmo tempo, em sociedades socialmente fascistas?

Boaventura de Sousa Santos – As situações de fascismo social ocorrem sempre que pessoas ou grupos sociais estão à mercê das decisões unilaterais daqueles que têm poder sobre eles sem se poderem defender em termos práticos invocando direitos que efetivamente os defendem. Exemplos de fascismo social: quando uma família tem comida para dar aos filhos hoje mas não sabe se a terá amanhã; quando um trabalhador desempregado se vê na contingência de ter de aceitar as condições ilegais que o patrão lhe impõe para poder matar a fome da família; quando uma mulher é violada a caminho de casa ou é assassinada em casa pelo companheiro; quando os povos indígenas são expulsos das suas terras ou assassinados impunemente por capangas ao serviço dos agronegociantes e latifundiários; quando os jovens negros são vítimas de racismo e de brutalidade policial nas periferias das cidades. Em todos estes casos estou a referir situações em que as vítimas são formalmente cidadãos, mas não têm realisticamente qualquer possibilidade de invocar eficazmente direitos de cidadania a seu favor. A situação agrava-se quando se trata de imigrantes, refugiados etc. Por exemplo, a situação de trabalho escravo de milhares de imigrantes bolivianos nas fábricas de São Paulo. As vítimas de fascismo social não são consideradas plenamente humanas por quem impunemente as pode agredir ou explorar.

Mas o fascismo não tem apenas a face violenta. Tem também a face benevolente da filantropia. Na filantropia quem dá não tem dever de dar e quem recebe não tem direito de receber. Em tempos recentes, a classe alta e média alta do Brasil se ressentiu muito porque as empregadas domésticas ou os motoristas já não precisavam dos favores dos patrões para comprar um computador para os filhos ou fazer um curso. Ressentiam-se com o fato de os seus subordinados se terem libertado do fascismo social. Quanto mais vasto é o número dos que vivem em fascismo social, menor é a intensidade da democracia.

IHU On-Line - O que pode explicar o declínio das esquerdas na Europa e na América do Sul?

Boaventura de Sousa Santos – O fato de terem aceitado que o capitalismo era eterno, que o neoliberalismo era uma fatalidade e que não havia qualquer alternativa pós-capitalista. A queda do Muro de Berlim significou tanto a queda do socialismo de Estado como da social-democracia, que se julgou, na altura, triunfante. Pelo contrário, a partir daí o capitalismo deixou de ter medo da concorrência, e o ataque aos direitos sociais e econômicos acentuou-se e tem vindo a acentuar-se, na Europa e em todo o mundo.

Enquanto a esquerda não voltar a ter no horizonte uma alternativa pós-capitalista, chamemos-lhe socialismo ou outra coisa, o seu declínio continuará, dado que a direita é quem sabe gerir este capitalismo. Na América Latina, o avanço da esquerda na primeira década do milênio pareceu desmentir esta tendência histórica. Foi possível devido a uma conjuntura excepcional que não se repetirá nos anos mais próximos: a subida dos preços dos produtos primários, agrícolas e minérios, devido à explosão da China. Este fato, ao mesmo tempo que remetia estes países para a continuidade com o colonialismo (fornecedores de matérias-primas, e que agora chegou a provocar a desindustrialização do Brasil), permitiu aos governos de esquerda efetuar uma impressionante redistribuição de riqueza sem alterar o modelo de desenvolvimento ou o sistema político. No momento em que tal deixou de ser possível, o capitalismo quis manter a sua rentabilidade a todo o custo e conseguiu o seu objetivo facilmente precisamente porque não tinha havido mudança no sistema político (e na prática política), nem reforma tributária, bancária ou dos media. 

IHU On-Line - Como o senhor vê o caso brasileiro, em que as esquerdas sofreram um profundo revés nas eleições para as principais prefeituras do país?

Boaventura de Sousa Santos – Revés nas eleições municipais foi uma consequência direta do processo político iniciado com o impedimento da presidente Dilma Rousseff. Foi um processo bem orquestrado de demonização do PT que aproveitou ao máximo os erros de governo do partido, apoiado por uma impressionante manipulação das grandes mídias e a atuação cúmplice do sistema judicial que incluiu violações flagrantes da legalidade. As forças do grande capital não tiveram paciência para esperar mais quatro anos e contaram com um apoio muito mais importante do que se pensa do imperialismo norte-americano. Um dia se saberá até que ponto essa intervenção foi decisiva. O Brasil era uma peça importante nos BRICS e esta aliança era importante para projetar a posição da China, o grande inimigo e grande credor dos EUA. Era preciso neutralizar o Brasil como se tem feito com a Rússia. Só assim se poderá isolar a China que em 2030 pode ser já a primeira potência econômica mundial.

Numa sociedade racista e oligárquica como é a brasileira o preconceito classista é sempre misturado com o preconceito racista e sexista. O governo Temer mostrou isso à sociedade e as políticas que têm vindo a ser propostas confirmam as mais pessimistas previsões. Mas o racismo e o sexismo não são infelizmente um monopólio da direita. O modo como no governo Dilma foram tratados os povos indígenas sempre que se atravessaram no caminho do agronegócio foi chocante.

Perante esta demonização, o PT pouco podia fazer a curto prazo a menos que tivesse decidido fazer uma profunda refundação política. Isso implicava rupturas e não era possível dada a decisão de o ex-presidente Lula se manter como garante da política de esquerda. Uma decisão totalmente compreensível, sobretudo por todos acreditarmos demasiado nas armadilhas das sondagens que fazem dele o político mais popular do Brasil precisamente para o manter no ativo e assim impedir uma renovação profunda das forças de esquerda. Tal como estão as coisas parece que as forças de direita poderão liquidar politicamente Lula como quiserem e quando quiserem. É este o estado a que chegou grande parte da esquerda brasileira.

IHU On-Line - Não é um paradoxo, pelo menos na experiência brasileira, a esquerda conquistar o poder e adotar práticas típicas de forças políticas mais conservadoras e alinhadas ao pensamento de direita?

Boaventura de Sousa Santos – É, mas explica-se pelas razões acima. Enquanto não houver uma reforma do sistema político e o poder do dinheiro e dos grandes media for retirado do processo eleitoral, a esquerda só pode governar em aliança com a direita e enquanto isso lhe convier. 

IHU On-Line - O que sobrou dos ideais de esquerda do século XX? A igualdade continua sendo o grande ideal de esquerda?

Boaventura de Sousa Santos – Os ideais da esquerda do século XX continuam vivos porque afinal vêm do final do século XVIII e não são mais que os grandes objetivos da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. O problema está na vigência dos pressupostos e na eficácia dos processos que presidiram as lutas para que esses valores tivessem alguma realização, o que para uns só era possível numa sociedade socialista e para outros numa profunda regulação do capitalismo. Tais pressupostos e processos assentaram na centralidade do Estado e na organização nacional do capitalismo. Foi assim possível fazer do Estado um agente de intervenções não mercantis (nacionalizações, e políticas sociais no domínio da saúde, educação e previdência). Ora, hoje o capitalismo é global e está a pôr o Estado na sua estrita dependência. O Estado é agora um agente de intervenções mercantis (privatizações, parcerias público-privadas, terceirização). Tendo sido “proibido” pelo capitalismo financeiro global de tributar os ricos, tem de se endividar nos mercados financeiros onde não tem nenhum privilégio soberano (o cinismo da designação “dívida soberana”). Para o Estado, ou algo que o substitua politicamente, poder agir contra o neoliberalismo terá de passar por uma profunda transformação democrática. 

IHU On-Line - Falta autocrítica à esquerda?

Boaventura de Sousa Santos – A autocrítica evoca processos menos democráticos, mas tem de ser feita de modo democrático e ir ao mais fundo possível. Tenho escrito muito sobre este tema. Eis algumas ideias para o debate. Primeiro, nas atuais circunstâncias, a esquerda será sempre uma contracorrente que não pode governar como a direita governa nem fazer alianças contranatura com a direita. Se tiver de o fazer deve renunciar a ser governo. Por exemplo, pode voltar a centrar-se no governo municipal onde é possível uma política de proximidade e onde o impacto no quotidiano das pessoas é decisivo. Segundo, a democracia representativa perdeu a luta contra o capitalismo e não tem futuro se não for complementada com genuína democracia participativa a todos os níveis de governação. Esta complementaridade entre democracia representativa e democracia participativa deve estar presente nos partidos políticos. Só assim se poderá decidir participativamente quais são as políticas e quem são os candidatos.

Terceiro, os partidos deixam de ter o monopólio da representação política de interesses e os cidadãos organizados devem poder participar. Quarto, sempre que tiver oportunidade a esquerda deve criar ou apoiar a criação de zonas livres do capitalismo neoliberal por mais circunscrito que seja o seu âmbito. Funcionarão como pedagogia de um futuro pós-capitalista, a tal alternativa sem a qual a esquerda perde o sentido de existir. Quinto, nas próximas décadas, e dada a escandalosa concentração de riqueza e a alarmante destruição da natureza, a política só em parte se vai exercer nas instituições democráticas; a outra parte será extrainstitucional pacífica (ações diretas, greves, marchas, protestos, ocupações). A esquerda vai ter de saber estar nos dois lados sem contradição e maximizar os contributos de cada tipo de prática política para a democratização da sociedade. Sexto, nada disso será possível sem uma profunda transformação do sistema judicial, político, de comunicação social e tributário. É preciso isolar o mercado das ideias políticas do mercado dos valores econômicos. A esquerda não deve aceitar ser poder na condição de esquecer ou renunciar ao que é. Deve construir uma alternativa pós-capitalista apostando em que o capitalismo, como qualquer outro fato histórico, teve um princípio e há de ter um fim.

IHU On-Line - Estaria nas ocupações secundaristas o embrião de uma nova esquerda?

Boaventura de Sousa Santos – Estive reunido com alguns deles recentemente em Brasília. São jovens maravilhosos precisamente porque não se deixam convencer pela ideia de que não há alternativa às políticas em curso. Sempre mantive que os jovens nunca estão despolitizados. Apenas não se interessam pelo tipo de política que tem vindo a dominar. A prova está aí mesmo. Em vários países do mundo estamos a assistir a um novo tipo de movimento estudantil no Chile, México, Índia, África do Sul, Inglaterra e agora também no Brasil. É difícil de prever como evoluirá. Uma coisa é certa, ele mostra que a política não morrerá e as alternativas não deixarão de estar nos horizontes e sonhos dos mais jovens enquanto vivermos em sociedades tão repugnantemente injustas, tão destrutivas da natureza e tão mediocremente democráticas como aquelas em que vivemos. 
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FONTE: Revista IHU

sábado, 14 de junho de 2014

Ei, Dilma, Vai tomar no Cú!

Por PAULO FRANCO


"A classe média é  uma abominação política, porque ela é fascista. É uma abominação ética porque ela é violenta e é uma abominação cognitiva porque ela é ignorante.” (Marilena Chauí)



O título é muito agressivo, eu sei,  mas a idéia é exatamente essa, expressar a realidade, nua e crua.  Tem coisas que o ser humano normalmente,  só faz entre quatro paredes, como ficar nú, por exemplo.  Por outro lado, tem coisas que o ser humano só faz quando está em grupo, como agredir homosexuais, agredir um torcedor rival, etc.  

A frase-título foi cantada em coro por uma ala das arquibancadas da Arena Corinthians, palco da abertura e do primeiro jogo da Copa do Mundo 2014.  Se houveram pessoas com coragem de pronunciá-las, de gritá-las em alto e bom som, não há porque, por pudor, deixar de escrevê-la, lê-la e até refletir sobre ela e compartilhar reflexões.

A VAIA, A LIBERDE DE EXPRESSÃO E A DEMOCRACIA




Na verdade, eu estava escrevendo uma postagem sobre os dilemas da vaia.  Tanto no seu aspecto linguístico, que tem se caracterizado como um excelente instrumento de expressão coletiva, como também do ponto de vista cultural, numa perspectiva antropológica, na medida em que caracteriza uma forma de expressão das sociedades modernas. 

A vaia não é uma linguagem individual, mas de grupo e ocorre invariavelmente em eventos que envolve muitidão. Ela expressa fundamentalmente a desaprovação do grupo a uma determinada pessoa, decisão ou ação.
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A vaia, indiscutivelmente, é uma comprovação irrefutável da existência de um ambiente de liberdade de expressão. Seria impossível presenciar a ocorrência de uma vaia num discurso de Hitler na Alemanha nazista, de Mussolini na Italia fascista, de Costa e Silva na Ditadura civil-militar no Brasil, de Videla na Argentina, de Pinochet no Chile, de Somoza na Nicarágua e assim por diante. A vaia é sim um grande instrumento democratico e ao mesmo tempo, um grande instrumento de expressão e de comunicação social.

Dentro desse contexto é fundamental o reconhecimento e a aceitação da ocorrência da vaia.  A sua aceitação e reconhecimento é condição sine-qua-non para o seu entendimento e a sua leitura.  É preciso saber interpretar o que está explícito e o que está implicito na ocorrência de uma vaia. Há que se identifricar os seguimentos e as forças que estão diretamente e indiretamente envolvidos na emissão da vaia.

Na verdade, uma boa liderança saber gerir o momento de aflição, mantendo a serenidade e conduzir o processo com objetividade e racionalidade.  Dependendo da competencia em gestão e liderança da vítima, a vaia pode ser transformada num excelente mecanismo de feed-back , ou seja, um excelente instrumento de gestão, utilizando-a a seu favor.


QUANDO O ÓDIO EXTRAPOLA O BOM SENSO, O RESULTADO É A VIOLÊNCIA





Tenho que dar o braço a torcer à filósofa Marilena Chauí, quando ela diz: "A classe média é uma